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Domingo de Ramos

Vou embora
Sempre
Vou embora
Dói, passeia com angústia
Sofre vai
embora
com resigno comedido
Não traz o espelho
Não traz o reflexo
Vou embora
Sôfrego, acaba
Termina
Deixa pra trás
Subtraz
Comedido, retido, contido
Não tem mais
Vou me embora
Levarei de lembrança imagens
Repetições frias, inexistentes
Vou embora imagens
Não minhas, nunca serão
Vou-me embora doído
Cansado, deixado pra traz
Largarei a juventude
Largarei o descanso e o cansaço
Largarei a solidão e imensidão tardia
O não passo, a não estadia voluntária dissoluta
Levarei imagens da escuridão
Feliz
Quadro a quem não se diz
Jamais
Partirei
Egoísmo para lá
Sobras de eufemismos para cá
Tudo doença sombria
A escuridão me satisfaz
Metade de mim escondida
Numa saudade inconveniente
Daquilo que não se faz
Deixa vai, deixa pra trás
Esconde debaixo do que
Que visito no sono íntimo
Profundo
Onde reina temporária escuridão
Caem preguiçosos, como a manta cascateada
Brilha sob a luz, águas escuras ondulantes
Abraçando-me plenamente
Guarda tudo com zelo
Debaixo de cada cama ou coma, caixa ou túmulo
Debaixo de cada sílaba
Parecendo sempre fazer
Onde tudo o que está escrito
Está escrito
E que se não puder
Não se poderá não ser lido
Vou embora vai
Brincando com a lógica de frente pra trás
Negando o não da negação
Pausando em cada verso um outro não
Do que não posso negar não negando
Vou embora
Carregando o cesto de sílabas
Porteá-la-á substancialmente
As estrelas sabem quando olho
Não quanto olho
Carregando o peso do dia
Escuridão faz sombras
Luz faz sombras
Mas há quem pede...

Vou embora...
Vou embora vou
dormir vou
sonhar
com a escuridão.

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Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.