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Jesus não foi à Tenochtitlan!

Existe uma tendência recente que prega a ideia de se desprender da ilusão mundana e conectar-se à realidade, que acaba sendo ofuscada pelo excesso de informação, de marketing, o excesso de comercialização de produtos de necessidade duvidosa, ou também pela nossa visão de uma educação humana voltada unicamente para a produção, trabalho e consumo. Desvencilhar-se das ilusões (o que custou a Nietzsche a sua saúde e solidão) de certa forma traz um conforto e consola o espírito inquieto dos que não concordam com o meio social.

Esta manhã estive caminhando no mercado e me assustei com o fato de já termos estandes dispondo as inúmeras variedades de ovos de chocolate para os feriados da Páscoa que virão em Abril. Se Jesus não conheceu os Mexicatls, ou Astecas, inventores do chocolate, então por isso, pra que diabos Ovos de Páscoa de Chocolate?. Nem gostaria de falar sobre a questão dos preços, mas é impossível não se deixar provocar e sentir repulsa do descaramento do comércio em cobrar R$20,99 por 170 gr. em um chocolate estilizado. E o mais triste é perceber como isso faz parte de um trabalho completo de imposição e manipulação, onde unem-se a referência diária baseada numa TV alienada, uma educação deteriorada e atrasada e o senso comum do benefício material, sem contar ainda com um rito religioso que não tem relação alguma com o Ovo de Páscoa de chocolate. É triste e desolador ver as pessoas apontando, escolhendo, fazendo cálculos...

Sempre digo aos meus alunos que o bem mais precioso que um ser humano tem é o seu cérebro. Somos bombardeados o tempo todo por informações, até mesmo no momento do sono. Sendo o cérebro o nosso bem mais precioso, por que permitir a entrada de tudo isso gratuitamente, sem um preço a se pagar? Por que permitir que tudo tenha acesso aos alojamentos sagrados da nossa mente e que ali residam, ocupando o espaço que nos permitiria sermos humanos melhores? Por que já comprar Ovos de Páscoa, ou, grosseiramente, 170 gr. de chocolate estilizado e ornamentado apenas para fazer parte daquilo que nos é imposto? Duvido muito se o verdadeiro significado e origem da Páscoa está sendo verdadeiramente vivido desta forma.

Agora forçando a ideia além, lembro-me sempre de quando Paulo Freire diz que a educação é um ato político. Lembro-me também de como a nossa educação e o nosso conceito de sociedade está desfocado e perdido, está completamente em crise. Lembro-me de como somos levados a discutir e brigar pelas coisas erradas, enquanto há pessoas arrecadando fortunas às custas da nossa falta de formação. Lembro-me de que tudo o que nos é imposto passa, livremente, sem debate ou resistência, de certa forma até mesmo nos tornando diferente daquilo que somos originalmente.

Sem saber como administrar aquilo que entra tão facilmente e grosseiramente em nossas casas, descontextualizadamente, sob o argumento da felicidade plena e realização dos prazeres, como então administrar e filtra o que é necessário para nossa vivência?

Apenas uma pequena parcela da humanidade inteligente faz uma relação direta dos eventos do mundo com a sua vida diária, e entende que a partir de uma mudança ligeira de comportamento existe uma mudança significativa nas chances de sobrevivência.

O consumo sempre existiu, e tentam derrubar o anti-consumo com este argumento. Mas um detalhe a que poucos se atentam é que não se trata apenas de consumo, mas de consumismo. Qual a diferença? O "ismo" oras, o sufixo que, de acordo com a gramática portuguesa, designa as práticas verbais relacionadas à doenças. Exatamente, o consumismo tornou-se uma doença mental dos tempos atuais, porque as coisas são compradas simplesmente por serem compradas, e não porque são necessárias serem compradas. As manobras criadas para que isso aconteça já não é mais novidade para ninguém: propagandas comerciais agressivas, apelos para a imagem, status social, aceitação, etc.

A crise de 2008 causada por um inchaço da economia global durar quatro anos já é um sinal de que é preciso de maneira urgente repensar os hábitos. Somos nós quem devemos moldar os produtos às nossas necessidades e não o contrário. Não é vergonha alguma admitir que não precisa de uma coisa justamente por não precisar de uma coisa. Não é vergonha nenhuma pensar com a própria cabeça. É uma questão de inteligência, e não de forçar um destaque social por ser diferente.

A história já nos mostrou que o forte sobrevive e vence a curto prazo, mas o inteligente sempre vai superá-lo, porque ideias não tem prazo de validade e são a prova de balas e socos.

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