Pular para o conteúdo principal

Romaria dos Vencidos

Por que tamanha estrada
Por que ir adiante por esta difícil trilha?
Dizem que lá no fim há um céu, de uma luz brilhante
Então segue em frente

Sabemos de tudo o que se passa
Mas no mesmo instante não sabemos nada
As estrelas mudam de lugar e somos só nós
Pequenos rastejantes redescobrindo os mesmos sonhos
Alimentando-nos do mesmo peixe
E bebendo das mesmas águas

Não sou o primeiro de nada
Não fui o primeiro dos poetas
Nem dos loucos amantes
Desde os que só pensavam em mim
Aos que se dedicam ao semelhante
Que se detinham para não ir embora
E não sei se sigo minha estrada
Ou se deixo para trás para seguir ao lado
Nunca lembro da certeza
Ou da difícil solução de estar errado.
Por que tamanha romaria?
Ouça os murmúrios do dia:
Os ais e ohs, e os suspiros orgulhosos
Existe uma dor explícita atada aos calcanhares
Mas o olhar é firme e implacável adiante
Este é mais importante.

Em um certo momento surge algo
E fala-nos ao pé do ouvido
E diz que tudo o que até agora foi sabido
Estava completamente errado.
Permanecei aí por um instante
Parado.
E agora? Pra que lado?
Só existe um caminho, avante.
O que torna apraz é o que muda
Lá na frente, no horizonte
Então leva perna ante perna
E não se queixa da curva
E assim vamos.

A marcha de antes é segura e impertinente
Hoje passo ante passo
Sem saber o que após virá
Não há um palmo além do futuro
Que não pode deixar de ser um abismo
Ou um irritante muro
Pra onde vai após este furo?

Segue , não se doa, não se deixe largar
Olhar para trás, jamais
Mas veja, nada mais há que olhar
O passado apaga cada passo além
A memória é que se faz lactante
Do que é certo ou errado
Ou das mentiras que convencem a nós mesmos.

O fim desta poesia bela não há
A despedida se faz aquém
Aqui não será
O que aqui paro como ponto final
Como sinal de interrupção
Nunca será o fim desta aflição
Dos por ques ou para ques
Desta tamanha trilha sinuosa
Cheia de pedras, ou cheia de glosas
Cheia de motes incompreensíveis
Repleta de saberes e desabares
De tudo o que é impossível...

Olha um momento... um brilho no céu
Uma sombra no chão
Uma brisa no rosto
E o resto em nossas mãos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.