Não tenho muitos amigos ou simpatizantes, e os poucos que tenho vejo com tão pouca frequência, mediados apenas pela rotina, pela irreparável e inescapável rotina. Sou um antipático nato. To dizendo isso não porque eu gosto de ser assim, mas porque essa condição me incomoda e eu tento contorná-la diariamente, muitas vezes sem sucesso, porque a visão primeira de todo mundo é pior do que religião fundamentalista. Mesmo que você fique nu diante de todos, elas não querem saber, você vai ser antipático. Você vai ser mais você mesmo pelo que os outros estão dizendo de você do que o que você diz de si mesmo. Essa é o meu maior obstáculo na hora de me relacionar.
Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio: A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.