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Mãe

Caiu uma tempestade em cima da casa
Aquela casa pacífica
Aquela casa branca, de ar leve.

De repente tudo ficou pesado
As portas bateram
As janelas tremeram
Cadeiras e mesas, sem equilíbrio, eram jogadas pelo ar

Houve um estalido violento de vidro se partindo
Como o som violento de uma alma se partindo
Que risca e marca a mais profunda calma
E atormenta a mais profunda mansidão

As pessoas, surpreendidas, chocadas, tremiam
O ar, pesado, ofegante
E uma saudade melancólica dos primeiros dias
Os primeiros passos
E uma dor que só vivendo

Aquele olhar forte, seguro, mais forte que a maior das loucuras

Sai o filho sem fechar a porta e nem olhar pra trás
Carregando dez mil quilos nos calcanhares

O peso tamanho que a parede se enverga, e a porta se estrebucha.

Logo antes, só permanece o calor
Aquele olhar cansado e cheio de ternura
Invisível.
Vigilante.
De mãe.

- Leva um casaco, está frio lá fora.

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