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Recado para um Músico Indignado com a Copa

Ou: Por que a crítica cega vira discurso de (in)conveniência.

Pra você aí que é músico e não compreende a paixão de um torcedor de futebol só posso dizer uma coisa: você é um tremendo de um hipócrita!

Os mega eventos como Rock In Rio, Loollapalooza, SWU, Wacken Open Air, até mesmo o Live Aid, equivaleriam a todo o espetáculo que representa a Copa do Mundo, em todas as suas medidas. A Copa do Mundo, assim como os mega eventos musicais, são um misto de investimento privado dos patrocinadores e concessões e investimento público, no que diz respeito a iluminação, abastecimento de água, apropriação legal de terrenos, etc.

Tanto quanto a Copa do Mundo, estes mega eventos cobram preços exorbitantes em seus ingressos, vendem por trás disso uma ideia ilusória de consciência social/ambiental/política, etc, para nos fazer pensar que estamos trazendo um mundo melhor, quando na verdade tudo o que você está pensando é em acariciar o seu narcisismo adolescente ao ver um ídolo, que na sua imaginação, representa a falsa importância que você dá a si mesmo. E isso é tão favorável para a indústria.

Qual fã de música nunca pagou, e às vezes bem caro, por um ingresso pra ver seu artista favorito? E destes artistas favoritos, quantos não exploram a paixão que seus fãs tem para cobrar preços exorbitantes para vermos espetáculos pífios, onde a música é deixa em segundo plano? Isso não se resume à música pop, apenas.

Felizmente, graças à internet a música tem estado mais democrática do que nunca, mas ainda assim, não é qualquer pessoa que tem condições de ir a um lugar como Bourboun Street ou Via Funchal, para assistir um show do Eric Clapton, B.B. King ou Stanley Jordan. Um espetáculo de Stanley Clark está muito além das condições de qualquer cidadão brasileiro, mas ainda assim, vemos casas de show lotadas para apreciar nada mais do que um mito, ou um representante de algo que já não tem mais a relevância que um dia teve.

Você pode até argumentar que a falta de relevância de determinada arte se deve a falta de apreciação de uma população ignorante, mas é justamente esse o discurso que o pseudo-intelectual ranzinza se agarra para não admitir a ideia de que o seu tempo já passou, ou que, ele deixou que seu tempo passasse, parou numa época passada e fica preso lá, se queixando que o mundo muda, e que por não conseguir acompanhar a carruagem, joga pedras. Isso não é um pouco de falta de realismo? Não é negação também da realidade? Tanto quanto torcer por um time de futebol? Ok, continuando.

E o que dizer dos patrocinadores? Num mega evento, até mesmo numa escola de música, não são esfregadas na sua cara, a todo instante, um desfile de marcas (Yamaha, Fender, Gibson, Mesa Boogie, Marshall, Pearl, Tama) para empurrar goela abaixo que o que faz um músico de talento é o instrumento que ele toca? Deixando de lado, mais uma vez, a arte da música em si?

Tanto quanto no futebol, na música também acontece muita corrupção, muita roubalheira, muita injustiça. Metallica vale 500 reais? Eu acho que não. Acho que nem B.B. King, Bob Dylan, Jimi Hendrix (se estivesse vivo) ou os Beatles valeriam esse preço. Ringo Starr apareceu no Brasil e cobrou uma fortuna no show, e teve gente que pagou, apenas pra dizer "eu vi um Beatlemaníaco". Não é exatamente a mesma atitude de um dito torcedor de futebol "alienado" que paga um ingresso para ver o seu amado time jogar?

A real é que grande parte das críticas ao esporte mais brasileiro do mundo está calcada num preconceito a tudo o que é popular. Você gostar de futebol não quer dizer, necessariamente, que você está ignorando todos os problemas do país. Aliás, apareça num subúrbio qualquer, compre uma cerveja fique 15 minutos num boteco e bata um papo com um Seu João ou Seu José da vida, e veja que, por estar ali vivendo aquela realidade, ele tem muito mais consciência social do que muitos desses "críticos de botequim da Vila Madalena" de São Paulo.

Agora, senhor músico, segundo sua postura e seus argumentos, eis a impressão que me fica: desistiremos então do esporte? Desistiremos do futebol unicamente porque a corrupção o cerca? A emoção é parte da vida, e ela pode ser expressada e manifestada de várias formas diferentes, e a música é apenas uma delas.

Futebol também é uma forma de arte, tem rituais, tem fundo histórico, tem relevância no imaginário social, além de que sua prática é excelente para a saúde, especialmente mental. Carlos Drummond de Andrade dedicou totalmente um dos seus últimos livros ao futebol. Mário de Andrade incentivava e estimulava a prática. Nelson Rodrigues, quem nos deu o termo "complexo de vira-lata", era um verdadeiro entusiasta da pelada na verdinha. São alienados estes homens? O futebol, se bem trabalhado, te ajuda a desenvolver auto estima, cooperatividade, senso de estratégia, noção de espaço, noção de distância, noção de limites do seu próprio corpo. É quase como uma dança.

Mas será mesmo que por causa de toda uma indústria podre nós devemos destruir um esporte que é um dos mais democráticos e acessíveis do nosso país? Um esporte em que qualquer pedaço de plástico vira bola e qualquer rua de terra batida vira campo? Ou, afinal, segundo suas críticas, o que você espera do brasileiro? Que seja uma máquina de trabalhar, produzir e consumir? E os outros valores humanos onde ficam?

Se você diz que torcer numa Copa do Mundo é alienação, para mim é tanto e equivalente alienação gastar uma fortuna para ver ícones musicais de imagem falida e que hoje nada representam ou acrescentam para a arte. É tão alienante quanto gastar fortunas em instrumentos musicais caros, apenas para levar adiante o gosto de um patrocinador. É tão corrupto quanto vender a sua própria imagem de artista a qualquer marca que seja. Mas se você acha que isso faz parte do ganha pão de um músico, também o faz de qualquer pessoa que seja ícone ou representante de qualquer outra indústria.

Tenha um pouco mais de coerência nas críticas. Uma crítica exige racionalidade. Crítica com ódio vira apenas um discurso imaturo de insatisfação, e disso a internet já está cheia. O que precisamos é de pessoas mais inteligentes, que saibam diferenciar quando o povo é vítima de uma situação, e não a agente causadora dele.

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