Pular para o conteúdo principal

Do Pior Abismo

E foi num piscar de olhos que tudo passou de ser
E passou a ser de tudo
E foi de tudo passando
Pra passar sendo.

Foi num piscar de olhos
Que nessa hora muita coisa mudou
A cor da casa
As janelas fechadas
As portas trancadas
Seu rosto no travesseiro
Meu rosto no travesseiro
O acalento daquele amigo travesseiro.
O cheiro daquele bendito travesseiro.

E foi também num piscar de olhos
Que mudaram os sons
Cantos tornaram-se lamentações
A música virou ruído
O som da noite virou medo
O som da casa virou silêncio
(De apenas uma porta se abrindo por dia)
E o silêncio virou solidão
E a solidão virá
E virá a morte viva
Do horror do renascimento.

Num piscar de olhos
Mudou o olhar
O olhar pela janela na montanha
O olhar pro horizonte na beira da praia
O olhar para a esperança duplicada
E o olhar para o futuro
Quando se olha
E não se vê nada
E olhar para si
Quando muito vê
Pouco mais que um passo a frente.

Metade que sangra
Metade que pensa que já foi
Alma siamesa separada sem torpor
Puro sofrimento e trauma
Pura dor
O canto de terror que se escuta
É o canto voluntário
Da viuvez ordinária
Dessa angústia
Extraordinária.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que a mim veio  No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que é só trevas A vida que era nada Tudo começou, até amor Pela Palavra.

Sacrum Putridaeque

  sacrum putridaeque "Animae exspirant, redire nolentes... Sed redeunt in sudore, dolore et metu, formam suam relinquentes." ✝ Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis ✝ Substância em ardência Como que em condenação Ao inferno da tua ausência. De seu cílio cai o lastro Da aurora poma aberta Afligida ao omisso mastro. Minha boca sente a míngua Pela privação do tato Da oração com tua língua. Numa parte sem ritual E eu aqui que só me encontro Do meu gozo sepulcral O meu tédio, meu remanso Invocatio sacroputrida Sem perdão e sem descanso! Ora em mim sem castidade Faz-me diário do teu ímpeto, Sem decência ou piedade! ================================================== Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis Substantia in ardore Quasi damnationis Ad infernum absentiae tuae. De cilio eius cadit onus Aurorae pomum apertum Afflictum ad mastum neglectum. Os meum sentit inopia Privatione tactus Orationis cum lingua tua. In parte sine ritu Et ego hic solus invenior Gaudii m...