Pular para o conteúdo principal

Entrevista comigo mesmo

Entrevista comigo mesmo no show de TV 'O Eu Narcisista e Egocêntrico'

O que eu penso da sociedade? A sociedade é ingênua, mal intencionada e carente.

Somos ingênuos em depositar a nossa esperança em falsos idealismos, num mundo onde não haja pobreza nem violência, mas nossa má intenção está em justamente não encarar como justiça a divisão dos parcos recursos que nos sobram, aí imprimimos nossas ideologias instântaneas e mal elaboradas. Temos essa inconstância depravada, uma ideia senil não mais à beira da falência, falida.

A sociedade é carente por essa necessidade doentia de se expressar o tempo inteiro, mesmo sem ter algo a dizer de verdade. É um vício, quase uma doença mental.

A sociedade quer liberdade, mas se incomoda com quem é livre. Com quem é livre mesmo, extrapolando, aquele livre que é tão livre a ponto de não condizer com nada que você considere como um ser humano aceitável. Um livre tipo o cara que transa com tudo o que se mexe, não toma banho todo dia, escuta uma música estranha e que ninguém conhece, fala sozinho, come só verduras e legumes, não tem carro, não paga condução do ônibus nem do metrô, e sempre arruma briga por causa disso, às vezes mija na rua, e às vezes dorme fora de casa durante quase uma semana, pra chegar em casa e não se incomdar com aquela pia suja de um mês. Verdade, essa liberdade porca e exarcebada incomoda bastante a vida tradicional dos limpinhos que pedem a liberdade de que todo mundo seja obrigado a ser limpinho também.

Vejo por aí tanta gente esperando um líder revolucionário que nos traga a solução, mas esta mesma gente se incomoda com quem tem pensamento livre, com quem é líder de si mesmo e fala exatamente o que pensa. Existe uma opressão muito grande quando o que você pensa não condiz com o coletivo, uma hostilidade que eu nunca vi antes. Estão calando os que não concordam com a maioria, e das maneiras mais cruéis que eu já pude testemunhar: agressão física, agressão direta ao que a pessoa acredita, ou a quem a pessoa é. Queremos tanto essa tal liberdade, mas uma pessoa que diz e faz o que pensa é mal vista, acaba sendo vitimada pelo tradicionalismo confuso e mal resolvido, em que a gente não sabe se quer ser Cristão, Comunista, Libertário, Capitalista ou tudo ao mesmo tempo. Resumindo, a sociedade não sabe mais o que quer, tamanho é o nível da insatisfação pessoal.

Eu vejo nos lugares em que eu frequento. As pessoas que são mais hostilizadas são as que mais tem uma independência de atitude e opinião. Aqueles que não aceitam ser controlados e querem se expressar, acima de qualquer tradicionalismo, acima de qualquer "ele tem experiência, ele sabe o que faz", são as pessoas que são mais excluídas e oprimidos, e isso é um sinal de que a liberdade que todo mundo quer, mas não tem, incomoda e desperta ressentimento em quem tem coragem de viver isso de verdade, que vai além do discurso. Às vezes não tem nem discurso, tem apenas ação, e essa ação é realmente incomoda pra quem não tem a coragem de ser o que gostaria realmente de ser, aprisionados na verborragia e limitados pelo desejo, prontos para impressionar audiências. Isso tem um nome: hipocrisia.

Eu corro o risco de ser "curtido", "compartilhado" ou até mesmo "comentário-elogiado" por pessoas que não são exatamente o que querem ser, mas vão usar minhas palavras pra dizer "é assim que eu penso". Pensar sem ação vira apenas discurso de fogão.

Eu adoro inventar ditos populares que não são populares porque só foi dito por mim mesmo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.