Pular para o conteúdo principal

A Triste História de Dali Salvador

A Triste História de Dali Salvador


Essa é a história de um pintor triste
Vindo de um reino distante, seu nome é Dali Salvador,
É, porque ele ainda existe, e tão triste é sua história
Que a cidade definhou, sem um pingo de memória.
Dali Salvador, pintor artista de mão cheia
Sabia de todas as técnicas da época
Pintor de bons santos e santas ceias.
Paladino da alegria e da ternura
Um relance em um quadro seu
Era uma benção e alegria que perdura.
Mas como toda vida o sossego estranha
para Salvador algo lhe faltou
Uma donzela que não só o seu olhar
Mas seu coração ingênuo roubou
"Oh musas, que tanto me deram" clamou
"Daria tudo por uma última pintura
Mas que pudesse conquistar tamanha candura"
O clamor foi tão sincero e tão honesto
Que um trovão num dia quente ecoou
Assustado, Dali saltou, do momento funesto
"Dali Salvador, nobre criatura" disse a musa
"Estava ali ocupada com meus afazeres eternos
Como não pude escutar sobre a sua perdição
Artista belo do nosso tempo, de puro coração?"
"Oh musa, ouviste minha prece
O que faço com este amor que me apetece?"
"Teu amor é especial, pois tão especial é tua conquista. Levará o teu amor com algo que jamais estivera em sua vista"
"Busque nos confins do reinado, dos galhos de uma floresta encantada, nas profundezas do seu lago, e nas cerdas de um mágico corcel, tudo o que precisas. Dos galhos fará um cabo, da água, uma tinta, e das cerdas, um pincel."
"Desta tinta pintarás sua amada em sua mais bela forma
Ausente de tudo o que é pecado, de tudo que é mal"
Com o coração ardente, Dali Salvador partiu em sua busca
Enfrentou perigos que nunca imaginou. Pra aventura não nasceu, era artista. Mas seu amor era fogo, e diante dos perigos do mundo não feneceu.
Durante 7 dias peregrinou, quando as mãos na lagoa encantada se lavou. Encheu seus frascos e 3 galhos do chão recolheu. O corcel, domado, roubou suas cerdas, e dali pra volta viajou.
Ao longo do trajeto forjou os seus pincéis e sua tinta, e já tinha o coração em brasa. Imaginou-se, par em par, feliz e completo, e dali mais 7 dias, na cidade se encontrou.
Mas algo estava errado, algo era novo, diferente e assustador. Os muros outrora alegres, eram cobertos de musgo e limo. O ambiente alaranjado e sorridio, deu lugar a um ambiente de murmúrios e amargores. "Olá" dizia com preocupação, mas ao fundo só se ouviam uns tambores.
Pois soube que ali se instalou o novo Duque da região. Pretendia em um duelo, provar ao pai de sua donzela a sua mão. Dali Salvador aceitou em silêncio, provar o duelo com sua arte, e entregar a sua amada o seu tesouro.
Passou dias confinado em busca do que já sabia, "mas como dar vida nova à perfeição?" a si mesmo dizia, quando mais uma vez à sua musa ele clamou:
"Oh musa, pela última vez, eu te suplico e te prometo. Dai-me a luz do que preciso, e em troca tudo lhe dou."
"Como bem já esperava, digo-te como pintar sua amada. Mas em troca também desejo ser pintada."
"Tão simples tarefa por tão difícil exigência?"
"As musas pedem pouco por tanta clemência" disse a musa a seu artista.
E com toda a orientação, uma obra prima, em poucas horas, podia ser vista. Era a pureza em tinta e tela, era a beleza em meias pinceladas, tornando quase em vida uma pintura, laçando seus encantos em moldura.
"Agora vamos, pinte-me como combinado"
"Para tamanha exigência, faço de bom grado"
Pobre Salvador que mal sabia o que fazia. Pintou sua esperança e sua tragédia, ambas no mesmo dia.
Carregou Salvador o seu prêmio até sua amada, porém foi tarde. Já estava ela feliz, apaixonada, envolvida e desposada, O Duque de quem tanto se falou, lançou-lhe aos olhos o ouro, prêmio maior e de qualquer outro valor, que aos corações tão ansiosos seduz, não há valor maior num mundo em que pouco reluz.
Não sabia o que sentir o amargurado pintor. Seu ódio e imagens do apocalipse de seu pincel brotou. Sentiu medo da solidão, o que nos deu túmulos, sepulturas, casas de terror e de perdição. Sentiu uma tristeza, pior que a tristeza dos poetas, e o horror deprimido de sua fantasia nos deu essa pintura, a sua última face, diante do que resistia.
Em sua busca, pouco antes de desistir da vida, Dali Salvador pode perceber. Muito pode se fazer enquanto se reveste em ornamentos pueris, mas nenhum deles é capaz de ser manipulado e preso em uma moldura. O coração dos homens não se comanda, nem com encantos, nem com pintura.
Morreu infeliz e só, mas sua própria cara pintada em tela ganhou vida. A musa que pintou em tinta ganhou vida, e a tudo que a cercava, deu a vida, ainda que a vida triste.
Essa cara, eterna expressão de dor, é para que a gente nunca se esqueça dessa história triste. A história triste de Dali Salvador.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.