Pular para o conteúdo principal

Reorganização Escolar

Na boca do povo, todo mundo sabe que existe uma justificativa para a depredação do sistema educacional que, na minhas observações, já caiu por terra faz anos, de tão óbvia:

"Os políticos não querem uma educação de qualidade porque é mais fácil de manipular a população."

E essa frase, que poderia ser um símbolo de despertar da consciência, que eu já escutei em tantos lugares e vindo de tantas classes de pessoas e trabalhadores diferentes que já se tornou quase um provérbio, me faz pensar: se temos a consciência de que a educação é a chave para a não manipulação, porque nos deixamos manipular então? Se temos a consciência de que precisamos de uma educação de qualidade, então porque não vamos em busca dela? E digo isso tomando como ponto de partida a atitude mais simples de todas: estudar. Se sabemos que é necessária uma busca constante pelo conhecimento, então porque permanecemos inertes à vida, apenas recebendo o produto mal elaborado da indústria cultural, sem que por alguns minutos, possamos desenvolver nossas defesas contra ele, e travar um caminho mais livre, independente? Por que relutamos tanto em saber?

E isso, o saber, pode significar inúmeras atitudes diferentes, que foram discutidas, pensadas e repensadas ao longo desses 30 anos de sociedade dita livre, que vivemos desde 1984. Ao mesmo tempo, eu não consigo deixar de me incomodar com a postura dos cidadãos em geral. As pessoas não parecem querer uma educação de qualidade, mas um messias que as salvem da ignorância. E essa ignorância me parece ser muito mais uma insistência pessoal do que uma falta de acesso a alguma coisa, levando em conta que vivemos na era da internet.

Se você por um acaso não tem paciência ou disposição para assistir a uma aula de 50 minutos, acessar o youtube em busca de informação diferente, ler um livro diferente, parar para escutar uma música diferente, então você não precisa de um sistema de educação melhor, você precisa mesmo é rever os seus valores e necessidades como ser humano.

E não vejo a depredação escolar tendo como fim a manipulação política, essa representação que está aí que mais parece um circo de horrores. Entendo que esta finalidade está muito distante já, anos atrás. Hoje a coisa tem a ver com outro aspecto da sociedade que insistimos em ignorar: consumo alienado e desenfreado.

A má educação nos torna consumidores idiotas, e essa é a nova finalidade da má educação, porque os políticos que você tanto odeia e ataca podem ser os mesmos fornecedores das bugigangas que você tanto ama e defende.

Então eu venho pensando em uma proposta de uma forma de educação que seja, de fato, totalmente independente. Que ela seja livre totalmente de qualquer expectativa que a sociedade imponha sobre ela, isenta dessa ideia consagrada "de educar pra ser alguém na vida", porque você já é alguém na vida antes mesmo de ir para a escola. Precisamos de uma escola que valorize o ócio, porque diferente do que acreditam, a mente vazia não é oficina do diabo, é oficina do artista, ou aquele que é dono de si e dos seus próprios caminhos.

Antes de uma reorganização escolar, ou de uma crítica à reorganização escolar, precisamos mesmo é de uma reorganização humana, social, intelectual e espiritual. Precisamos de um minuto de silêncio conosco. E digo isto sem o menor prazer dos revolucionários que sonham pela maioria. Digo isto por mim mesmo.

Mais sobre isso eu recomendo a leitura dos textos de Theodor Adorno, Max Horkheimer e Zigmunt Bauman.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.