Pular para o conteúdo principal

Carta Aberta a um certo Professor Japonês Indignado

Eu sou filho de nordestinos, paulista, mas me considero mais nordestino do que paulista, e é graças ao nosso jornalismo fajuto, que há mais de 14 anos envenena a cabeça dos seus cidadãos, parece que a minha descendência anda vindo com um certo falso DNA: sou petista, sou vagabundo, uso bolsa-família, roubamos o emprego de algum paulista aí.

Não sou nada disso. Eu não sou um estereótipo. Você é de humanas, não deveria se basear em estereótipos, pelo contrário, sua licenciatura tão sofrida deveria ter te ensinado a ser um investigador incansável, e saber analisar caso a caso. Julgar as pessoas por um DNA pré-estabelecido é o que fazem os números, e isso apenas para o levantamento da estatística. Até mesmo uma pesquisa vox populi carrega mais humanidade do que essa verborragia grotesca e sórdida.

Pois bem, a você que enche a boca para falar numa sala de aula, cheia de adolescentes em formação, todas as ilusões que você acredita serem verdades, que não passam de um alívio imediato de uma indignação que sequer você mesmo entende, aqui vão algumas palavras: eu sou sempre a favor da rebeldia e indignação com o mundo. Sou um anti-conformista, um anti-moralista por assim dizer. Mas esse sou eu, e como professor, cabe a mim mesmo me policiar da minha conduta, da minha postura e das minhas opiniões. A minha palavra cai de forma desfavorável num ambiente cujo sistema mede tudo pela dicotomia do certo e o errado. Não é à toa que temos um dos piores sistemas educacionais do mundo, e você está contribuindo para isso com a sua estagnação intelectual.

Existem documentos e leis que me previnem de ser um doutrinador em sala de aula, e até mesmo existe um código de ética. É uma relação completamente vertical, pois apenas quem tem a palavra, o professor, tem o direito de expressar a sua opinião. Qualquer opinião contrária é vista como errada, por mais que certa. Existem muitos profissionais colegas que se aproveitam dessa posição de vantagem para fazer uso de discursos totalmente tortos e descabidos, passando por cima das crenças e experiências individuais de qualquer aluno, subjugando-os de forma petulante a falas totalmente desconexas do foco educativo. Não estamos em sala de aula para ditar o que eles já sabem, que é a formação de uma opinião pessoal e crítica.

Isso é a típica atitude de um imbecil que perdeu completamente a linha e a noção do que está fazendo em sala de aula. Não, você não usa a sua sala de aula para doutrinar seus alunos e impor, como o pior dos ditadores da palavra, que a sua verdade é a verdade universal. É simplesmente covarde e de baixo nível. E não, você não destila preconceitos sem logo, mais tarde, exigir seu direito de opinião ou benefício. Por que demonstrar tanto ódio pessoal por pessoas que estão ali por uma mera relação profissional, e que serão passageiros? Portanto, eu repudio você, e da mesma forma que você pede que a presidência atual seja impedida, eu espero que a sua licenciatura também, pois a meu ver, não existe nada mais corrupto do que mentir para mentes em amadurecimento apenas pra satisfazer a sua sede por verdade.

Nós vivemos em um país desigual, não importa o quanto você tente negar isso pra não lidar com a dureza dessa realidade, nós vivemos em um país desigual, ponto final. As pessoas estão em um lugar por um motivo, a sua postura estúpida e nauseante deveria estar em outro lugar, onde as mentiras podem correr soltas sem sofrer o prejuízo do julgamento, ou melhor, sofrendo mesmo sob um medo invisível, como em uma Igreja por exemplo.

Mas como colega também, imagino que ao longo de suas aulas exista a atitude de uma formação crítica de seus indivíduos, e isso me dá a esperança, pois é essa a formação que os dará a liberdade de te considerar uma idiota.

PS> Existem idiotas em todos os lugares, inclusive no Japão.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.