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A valsa de máscaras de Bethlem Royal

Leve e irrequieta a noite vai chegando
E sei que contigo ela o traz em seu encalço
Um misto de inquietude intensa me desmancha

Tuas garras, mãos delicadas acercam-me fortuitas
Perco-me só, isolada, não sei o que faço
Esgueiro-me furtiva, finjo estar falando, estou quieta.

Fecho os olhos, acalmo-me, sei que estás me olhando
Pego um copo, outro copo, outro copo, outro corpo
Sorrio em nervosismo, morro em silêncio, afundando.

Levanto-me, deito-me, sento-me, levanto-me
Um outro copo, um outro corpo, o coração palpita
O pensamento, túrbito, se escancara enquanto eu quase...

Tu chegas, suave, sorri e não me aguarda
Segura-me nas mãos, eu me levo, indefesa
E quando menos quero, estás em mim

Estás em minha vida, em meu corpo, em minha roupa
Estás em minha cama, estás na minha gente, sem licença
E tudo o que de mim conheço, não dura mais que um beijo

E este beijo, ele é frio, deixa-me a sofrer
E de mim sei, não te preciso, mas estás aqui, um vício
Observa-me enquanto tremo, quero ir morrer.

Essa mancha escura em meu peito, de tormento mudo
Que na vigília extensa me sufoca, me intranquiliza
E sua-me, asfixia-me no leito, não tenho escudo

E você, que condena-me a sandice à tortura
Transparente pessoa por fora, pessoa por dentro
Em explosão ardente no peito, sem candura.

A multidão passa, sou só uma mulher plana
Nada do que está dentro está óbvio
O que parece amor, é mais que uma intensa chama.

Sou só uma mulher, nem de mulheres ou de homens
Terei a atenta vista, sofrendo por isso, incógnita
Calada, disforme, valsa de máscaras, sem nomes.

No fim dirão que foi da causa a mais solúvel.
Tão simples, sem enigma de pensamento.
O complexo se deixa, abandona-se ao relento.

Dai o verso pela plano, nego a oferta de memória 
Pois quem souber a quem, diga, não entendo,
Posto se enquanto houver, não haverá história.

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