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Você

Meu corpo
Não é mais minha cela embaraçada
Obscura e confusa
Confiscando os desejos.

Entra o pasto a rua cidadela
Passo, após, passo,
Andarilho pensante
Seu passo insistente e amante

Minha mente é a minha chave
E desde então nada é estranho
Sem cercas, portões ou células

Borboletas. Planácio. Laranja. Libélulas.
Aquelas coisas que só nós entendemos.

Subi ao patamar de anjo
Ou desceste ao inferno
Ou apenas nos vimos na rua
E nos reconhecemos.

Eu te vejo nesta vida cínica e teimosa
De fechar os olhos para a dor
De deixar-se seduzir pelo mundo
Optar a tudo, e no fim, ser amor.

E que me transforma no melhor que tem de mim
Sem que eu saiba direito quem eu sou.
E que se esconde em mim sem que eu sinta vergonha
De aceitar a vida com tudo o que ela traz

Faça bem ou faça mal, faça.
Não importa com qual pronome se conjugue
Apenas é isso, apenas me abraça.

Tudo fez mais sentido e mais clareza
Quando achei melhor sentir medo,
chorar de tanta tristeza,
perceber que a solidão é o prato principal
Nesta obscura mesa que é o universo
Do amor que trouxe pra mim
Nesta terça-feira de manhã
Em que não sabemos mais
Qual calendário seguiremos
Na hora em que baterem com a pá
Na porta de nossa última cama.

Apenas apenas
Diz que me ama.

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