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Meditação x Prática Religiosa

Recentemente, durante uma conversa com um amigo, abri espaço para falar um pouco da minha prática e rotina espiritual.

Antes, quero falar um pouco sobre o que é prática espiritual para mim. Sou agnóstica ateísta. Não por arrogância, mas porque, durante muito tempo, não tive educação religiosa. Era uma parcela de minha vida que simplesmente não existiu na infância, e desde cedo, souberam me ensinar a clara diferença entre realidade e imaginação. Por parcela ou não, de repente isso me fez ser uma pessoa menos angustiada.

Passei a sentir angústia quando olhei para fora e prestei atenção na grande diferença que havia entre minha vida e a vida das pessoas. O tanto de sofrimento, e eu não entendia a origem da minha própria serenidade, e quando menos percebi, eu estava sofrendo de ansiedade.

Mas sou leitora desde sempre, e em algum momento me deparei com um livrinho simples e gentil chamado "A Meditação da Plena Atenção". Busquei e reli, qual não foi a minha surpresa dessa revisita? Eu já conhecia o conceito, mas minha mente era fechada na época. Desta vez eu o li em busca de ajuda, e muitas coisas fizeram sentido.

E quando eu abri para o meu amigo sobre a prática espiritual da meditação, eu mal comecei a falar e a sua primeira reação foi "eu não acredito nisso". Não fiquei surpresa, pra ser honesta, essa é a resposta padrão quando todos ouvem a palavra "espiritual".

O motivo dessa reação me escapa, e eu não consigo fazer ideia. Mas a compreensão está completamente errada, porque meditação não se fundamenta em crença, e sim em exercício. Falhei em explicar-lhe que meditação é um exercício de concentração com objetivos diversos. O meu é a busca de um conceito que hoje chamam de "Mindfulness".

E confundir este conceito com algo religioso é bem comum entre pessoas leigas, assim como eu confundi na primeira vez em que tive acesso ao conceito. Meditação e budismo não são coisas necessariamente interdependentes ou correlatas. Não sou budista, sou meditante.

As origens da meditação não são conhecidas, mas sabe-se que existe muito antes mesmo da formação e conceituação da prática religiosa budista. Os textos Hindu (Ayurveda) já falam da prática para alcançar um estado em que se propicia para o recebimento das divindades, daí, talvez, o conceito de possessão espiritual... não estou aqui para fazer uma investigação teológica.

O que é Mindfulness?

Mindfulness nada mais é do que um estado psicológico de plena concentração. Isso está alheio à busca de espiritualidade. A prática relgiosa está fundamenta em dogmas, em costumes, em hábitos cotidianos que são pré-estabelecidos, afim de alcançar algum objetivo que, comumente, não se encontra no nosso plano material.

É falha do homem cético pensar que o meditante está buscando algo fora de si, quando na verdade está tentando encontrar o equilíbrio interior. É quando exercitamos nossa mente para desligar qualquer apego com o passado (memórias) e com o futuro (ansiedades) para nos concentrar apenas no que acontece no tempo presente. Isso é mais simples de se alcançar do que se imagina, porém exige prática.

Aprendi que para alcançar o mindfulness devo me desprender de todas as minhas convicções e conceitos, devo apenas observar as coisas sem definir as coisas. Seria como eu observar a xícara que está na minha frente e olhá-la apenas em sua essência, sem denominá-la xícara, apenas para poder observá-la da maneira como se posta diante de mim.

E até então, qual a finalidade disso? Isso é pessoal de cada um, e eu compartilho a minha: buscar a eliminação da obsessão por controle. Apenas permitir que a vida flua em sua direção natural, para que, aos poucos, eu vá percebendo onde estão os meus hábitos que me aprisionam em atitudes que são nocivas para minha mente e meu corpo. E como dizem, uma coisa reflete a outra.

Se estou muito tempo presa em meu quarto, começo a me sentir solitária e meus pensamentos vagueiam. Se nesse vaguear (ou wandering) eu guardo em mim alguma coisa que me machuque, naquele momento de solidão eu sentirei essa dor. Com o mindfulness eu consigo identificar as origens dessa dor e simplesmente deixá-la ir, tão simples quanto se diz. Não é uma busca pela perfeição, e sim uma busca por um estado de paz e equilíbrio (inner peace e balance).

Como eu pratico?

Encontre um lugar confortável e silencioso, em um momento confortável e silencioso.

Sente-se com a postura ereta. Numa cadeira ou poltrona, ou até mesmo na cama. Ou sente-se com as pernas cruzadas em forma de borboleta, e repouse as mãos gentilmente sobre as pernas ou sobre o colo.

Respire fundo de três a cinco vezes, fazendo com o que o ar encha plenamente os pulmões, sentindo-o no seu diafragma. Se não sabe como fazer isso, tente prestar atenção em como sua respiração funciona quando está tentando sentir um cheiro gostoso de alguma coisa.

Após, relaxe, e passe a prestar atenção, gentilmente e lentamente, no estado do seu corpo. Identifique os pontos de tensão, as coceirinhas, e relaxe. A meditação espera que você não tente forçar o relaxamento, apenas respire, concentre-se na respiração, e o seu próprio corpo trará o estado de relaxamento que você precisa. Aí reside outro princípio muito importante: com a meditação você aprende a desenvolver paciência e carinho consigo próprio. Você não força seu corpo fazer algo, ele simplesmente o faz se você tem a paciência de prestar atenção no seu processo.

Depois disso, volte sua concentração totalmente para a sua respiração, sentindo o ar entrando e o ar saindo. Aqui é o momento em que a mente passa a vaguear em diversos pensamentos, e isso é absolutamente normal. Com paciência, retorne sua concentração à respiração, e permaneça nesse ciclo pelo tempo que for necessário. Quanto mais tempo mantiver esse exercício, mais desenvolvida será a sua concentração, e mais relaxado você se perceberá.

Os efeitos da meditação.

Além dos efeitos diretos nas emoções, a meditação contribui para a diminuição da ansiedade e do estresse. Também contribui para eliminar os pensamentos depressivos (embora eu não esteja diminuindo aqui a grande importância de um tratamento com um analista).

A meditação contribui a longo prazo (e isso depende de pessao pra pessoa) com um aumento da concentração e um melhor funcionamento cerebral, o que torna melhor também a solução de problemas. Sempre que sentir que está sem conseguir pensar numa solução para algo, como um encurralamento, uma angústia sem fim, permita-se um momento só, e medite sobre seja lá o que estiver lhe amargurando. Pode ser que a solução não lhe venha, mas, assim como nós largamos um pedaço de galho num rio, e ele é levado embora, nós percebemos como nossa mente torna um problema menor, solúvel, pois trata-se de entendermos a humildade da vida. As coisas são solúveis, e nós, como humanos, enquanto vivos, somos capazes de solucionar nossos problemas.

No fim das contas, embora muitas coisas não façam sentido, faz menos sentido ainda vivermos atormentados por coisas que podem estar totalmente dentro do nosso controle emocional, pois para mim, viver plenamente é viver em paz.

Paz a todos.

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