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Mendigo

Alguém me atire na cabeça, exploda meus miolos, de repente a dor passa. Essa dor de um desejo que não pode ser saciado, porque eu sou um ser de componente pobre, e tudo o que minha vida se resume é a isto, uma série de desejos, um empilhado de desejos, pra me disparar algumas substâncias químicas em meu cérebro e criar-me a ilusão de que eu não sou um miserável solitário que daqui não levara nada, a não ser uma dor sem sentido na hora da morte.

Alguém por favor acabe logo com isso, já que eu não posso causar a fatalidade em mim mesmo para não trazer uma tristeza incompreendida às pessoas que são egoístas demais pra entender o que eu carrego aqui dentro. Enquanto desfrutam da minha máscara, eu estou aqui preso em mim mesmo, encarcerado nessa falta de vontade de me superar, porque eu estou cansado. Cheguei num ponto onde não sinto mais expansão, sinto um tédio da estagnação da vida. Nada cresce, nada diminui, nada vai para lugar algum, e isso está acabando comigo aos poucos. O parasita do tédio me devora de pouco em pouco, de dentro pra fora, mas tudo o que eu posso lhe dar é a certeza de que está tudo bem. Pois bem, não está de forma alguma! O que falta pra que esse vazio infinito seja completo? Quanto tempo mais para esperar por isso?

Fecha essa porta maldita, esse vento maldito que esfria tudo. Escurece essa casa, deixa tudo nessa aparência mórbida, sonolenta, lânguida, onde tudo é lento e sem graça. Onde tudo é como realmente é, essa passagem em que a impressão pouco faz falta, e logo deixa pra trás algo que nem sabemos que estávamos carregando. Quem sabe um dia, mas não, é tudo percepção tardia, é tudo uma necessidade egocêntrica de sentir que em alguma coisa isso tem sentido.

Pra mim já chega por hoje.

Vê que esse desejo é tudo o que tem pra nos oferecer? De repente algo de suma importância em que ninguém vai se importar de verdade. Estou cansado de lutar, deixa eu ficar por aqui por tanto tempo quanto eu precisar. Deixa eu dormir um pouco aqui, pra sempre, ou de repente, sonhar bastante. Deixa essa maré subir e me levar pro fundo do Oceano. Vou morrer, eu sei, mas deixa eu pensar que eu vou ser levado pra Atlântida, talvez descobrir a morada de todos os deuses do mar.

Mas que inferno, eu odeio o mar, aquela infinitude de mistérios assustadores. Eu odeio o céu também, aquele desastroso azul, que só de contemplar dóem-me os olhos. Eu acho que no momento eu odeio tudo o que se mexe sem saber porque. Talvez eu me odeie um pouco, talvez eu odeie este texto, estas palavras que vão saindo de forma improvisada.

Queria beber, fumar, queria fazer tudo o que é necessário pra destruir minha essência, quem sabe, ir parar na cama de um hospital, e renascer. Mas não existe botão de rebobinar nessa vida cheia de erros, temos que seguir em frente, carregando-os. Como afinal eu poderia saber? Não é possível que exista essa cobrança tão sufocante para que eu seja o reflexo de uma perfeição. Deixa eu ficar aqui, vá embora com sua bíblia, sua cruz, seu terço, seu deus, suas pedras, seus mantos, seus chás, só me deixa.

Eis aqui um ser humano vencido, isso, você acha que é imoral, corrupto, desprezível. Okay, faça de mim a exibição do seu museu de horrores, como uma aberração social que não intenta se mover. Dá-me a sua pena, compaixão, piedade, repulsa, medo, indignação, que seja. Um mendigo de alma, que aqui fica jogado no chão. 

Só passa e finge que eu não sou mais vida que o lixo que eu levo pra sentir que possuo alguma coisa além da minha própria derrota.

Quando dormir para sempre vira o maior de todos os desejos, porque assim, as coisas não precisam mais doer.

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