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Ode a Uma Alma Destruída

Serei a eleita a destituir teu poder sobre mim?
Enquanto aqui ajoelho submissa
Você me pega pelos cabelos
Ergue minha cabeça e faz de mim
A escrava mais que absoluta!

Até quando virá esta perdição?
O quanto mais resistirei à luta?
Sou apenas uma alma frágil, eu sei
Ela está aqui exposta como ferida aberta
Arde a cada leve brisa
A cabeça estoura ao mais ameno som

Ou me deixa ou me deixa
Destrói-me até o último dia
Desapareça ou fuja
Largue-me no lamento ou na queixa

Enquanto me jogo no chão, indefesa
É isso, sou isso, apenas isso
Esse pedaço de autopiedade

Sim!
A vida não é brincadeira!
Sim, estamos diante do colapso mortal
Entre a casta que aborta a esperança
Ou a multidão que se finge de freira

Mas pouco importa enquanto cavo este poço infindo
E descubro a cada metro fétidas verdades

Sim!
É isso? Sou isso? Apenas isso?
Essa larva interminável corroendo com amargura
No enquanto que não sai de mim
Ganho pouco a pouco uma escuridão tardia
Deixo uma pele morta, antiga candura.

Sobra-me um alento nesta tarde fria
Visto-me mas estou nua
Como mas estou faminta
Bebo mas tenho sede
Atira esta cabeça e a espreme na parede
Esmaga tudo e termina esse tormento
Larga-me, enquanto eu sento, eu sento, eu sento!

Um corvo negro corrói me as entranhas
No pescoço sinto as patas frias da aranha
O suor frio que escorre e a tudo estremece
O chão vacila, quebra, esmorece

Ou sou eu? Sou isso? Apenas?
Quem dá o toque me dá pena
Que pena
Que pena
Que sina!

Enquanto esse mau agouro destrói-me lentamente
Não terei vida, não terei lente
Este mundo vil, eu sei, está doente
Mas não consigo
Sou narcisa enquanto enferma demente
Apenas me vejo num lago espelhado
Atiro-me inteira? Aguardo, paciente?
Não sei, não sei!

Deus!
Deus?
Meu senhor Deus é uma deusa? Ou é um demônio?
Acaba comigo de uma vez
Destrói-me, sou isso, sou essa, apenas uma peça!
Acaba comigo, esta devassa
Este fruto de uma infeliz desgraça!

O corvo bate as asas enquanto de mim caçoa
O gato preto dentro da parede
Em uma interminável gargalhada
Faz de mim mais morta do que pessoa
A luz é só um sonho, que nessa treva que de mim se apossa
Destoa!

Enquanto ainda transbordar esse temor inexistente
A alma sangra, dói, vive latente
Já nem joelhos tenho mais
Seus grilhões
Transformam os mais puros
Em pérfidos animais!

Por favor, por favor!
Não mais!
Destrói-me, destrua-me
Sou essa, sou essa peça!
Sou isso
Apenas?

Isso...

Quanto mais a ser dito?
Quantas palavras a serem escritas?
Sou amante das loucas
Das atormentadas
Dos infétos
Dos páreas

Eu sei, eu destruo e corrompo a sua calma
Mas sou isso, tempestade que perdura
Enquanto encontra um abrigo para ti
Digo que comigo não está segura!
Oh quanto me falta
De candura
Oh essa vida, que já disse outrora
Que dura!
Retoma o verso o quanto necessário
Esta necessidade é livre
Não o faço pelo aplauso
Faço pois meu único analgésico!

Morfina em mim
Morfa esta percepção horrenda
Não sabes do que falo
Tão pouco eu
Apenas senta aí, e ouve a maldita
Enquanto ela se contenda!

Enquanto enquanto
Até quando?
Sou isso, sou essa.
Sou apenas um indício?
De vida, sou só isso?
Um mero resquício?

O canto dura enquanto eu vejo ondas
Que se vão, levando o meu encanto
O que me deixa de saudade
É isso aqui
Esse tanto!

Fantasma augúrio
Mortal destrutivo
Que constrói para si mesmo uma muralha
Não existe paz, não existe alívio!

Dai-me uma chance de sair daqui
Seja lá o que isto seja!
Liberta-me, libélula!

Vejo mariposas voando por aí
Vejo morcegos
Sugam-me o sangue
Sugam-me o sémen
Sugam-me a vida inteira

O que mais escuto ao longe
É o motor de um automóvel violento
Destruindo um corpo frágil
Enquanto a história vai se reescrevendo

Quanto desse grito inútil é verdadeiro?
Necessário?
Pouco importa
Se não te alcança nada útil
Fecha essa maldita porta!
Enquanto eu termino comigo mesma
Deixa-me aqui
Vire o rosto
Abandona-me à minha própria sorte
Desta decisão sombria
Viver a vida com o amargo sabor
Ou a doce ilusão da liberta morte?

Cabe a mim esta alma tão imatura
Não consegue às vezes encontrar paz
Mas é assim
Não precisas dar-me cura
Estou a mercê de mim mesma
Da minha própria insanidade
Deixa-me só nesta vil necessidade

Estes versos
Tão inúteis
Tão pouco utilizáveis
Vem aqui para reboar o que é o mesmo
Esse mundo é pó
É caos
É medo
É duro como este osso do seu dedo

Como é duro!

Eu caio em mim
Já nem mais tenho joelho
Nem pernas
Nem corpo

O que flutua em mim nesta dopamina turva?
O olhar que se perde nas paredes verdes
O caminho reto, tortuosa curva

Este verso enquanto solto
Desta ânsia de alma
A escuridão regurgita
Não vale de nada
Menos que quem o grita
Ele é pobre
Ele é só um socorro
Sabendo que não chegará

Em meio a guerra cada um é por si
Como o é Deus em meio à terra
Que nos deixa à sorte do Satanás

Deus da morte, da tortura, do sadismo
Deu-me corpo
Não deu alma
Sofro morto
Falta calma
Falta calma

Calma

Cama
Vem em mim
O único momento de sossego
É quando sei que sirvo apenas para expurgar o medo
É um momento raro, convulsivo, sei, de breve exposição
É um tormento doce, uma falsa salvação.

Salva-me
Deste verso interminável
Desta infinda luta
Destituída mortal
Desfigurada em puta

Arrasta-se a viúva da vida que demora
Com esse vestido negro como languidez
As cortinas fechadas entardecem cedo
Entardecem o dia inteiro

Velas na casa inteira
Velas para que?
É o luto eterno dessa cansada rotina
Escorre enquanto encerra a escarlate cortina

Janelas e portas fechadas, morrendo

Arrasta-se a viúva em pele alva, olhos fundos
Até quando isso?
Se casa é grande ou se é senzala
Tanto faz
Mas até quando?

Jesus perdoa, mas quem sou eu?
Morreria em seu lugar se existisse
Pra que essa piedade não fizesse tanto

Cai uma perna do sofá, lentamente
Esse sofá já esteve entre tanta dança diferente
Agora mal repousa

Solta esse verso pobre esse canto surdo
Numa língua afiada eu sinto um amargo veneno
Nada se conecta a nada

Enquanto me destruo por inteira
Meu vizinho seduz-me com as mãos
Em sua bananeira.

Sou isso.

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