Pular para o conteúdo principal
Amaldiçoado é o coração
Onde a felicidade torna-se ironia

E é só isso o que eu sou capaz de escrever. Este espaço que é acessado por uns raros anônimos, mesmas pessoas que eu sequer sei se dedicam tempo lendo as coisas que tenho pra escrever, passou por muitas transições. Ele pode ser, por assim dizer, um registro de mim mesmo.

Não seria humano a pessoa que não quisesse deixar um legado. E em algum ponto da vida, queremos apenas apagar os indícios da nossa existência. Seremos apenas um mero punhado de palavras que vão fazer sentido pra algumas pessoas específicas, ou não. Seremos imagens, sons, cheiros, nosso legado é isso, e nada além.

Não ter mais o apreço pela necessidade de ser e de transformar, é quando muito se fez ilógico. E é isso, de fato, os caminhos da minha própria vida me trouxeram, por uma pessoa totalmente improvável, esta ideia de Albert Camus: o segredo do sentido da vida está em abraçar o absurdo que ela é. Eu nunca li nada de Albert Camus, e só pude assistir a um breve vídeo em que ele, de dentro de um teatro, fala um pouco sobre a necessidade da felicidade em meio a um mundo mergulhado em caos e sofrimento. E toda esta filosofia se acerca disso, de poder encontrar uma motivação para se viver enquanto sabemos que há pessoas que não tem escolha.

Estar ciente disso, em um mundo tão perverso, poderia, por assim dizer, ser um privilégio.

Mas o que são palavras? Acrescento que nada. As palavras são inúteis. Elas por elas, apenas, sem razão de ser, jogadas ao vento. Palavra mudam ações, uma vez eu versei, fazendo o verbo "mudar" ter uma função de licença poética, que pode dizer "muda". Palavras não querem dizer nada sem uma ação que esteja de acordo.

Devido a acontecimentos recentes da minha vida, que não significam tanto diante do macro do sentido da vida mesmo, posso me referir que existe um desespero humano tremendo para que a palavra lógica esteja presente em tudo. O ser lógico, contudo, é apenas um estado que convém à uma necessidade de explicar os eventos da nossa vida. A falta de lógica é torturante para nós, e ainda mais para aqueles que vivem sob a maldição da necessidade de uma resposta para tudo.

Por que coisas que nos machucam acontecem com tanta frequência? Por que faltamos tanto em empatia e lealdade? Por que a nossa palavra é tão fraca diante das nossas ações?

Quem encontra conforto nas palavras, é, para mim, hoje, apenas um covarde desleal. Nunca mais quero acreditar em palavras, nunca mais.

A Bíblia Sagrada tem mais de 700 mil palavras, dizem. Nunca contei, apenas pesquisei na internet. E uma das três maiores religiões do mundo já matou e enganou muitas pessoas, desiludiu nações inteiras, com base nas palavras. Dizemos palavras que podem nos fazer fechar acordos, mas que a validade deste acordo só realmente funcione quando a ação corresponde, o que muitas vezes pode não acontecer. Com palavras podemos convencer um suicida de que a vida ainda vale a pena, podemos fazê-lo sentir-se amado e querido, para que depois, com as palavras vindas das mesmas pessoas, fazer com que este suicida sinta-se menos significante do que antes. As palavras servem apenas para fazer levante à vontade do convencedor. O convencido, este está condenado uma vez que depositou a confiança nas palavras.

Não digo que o homem é um ser indigno de confiança, isso é uma bárbara generalização. Mas eu posso dizer com uma leve certeza (que mais tarde vou contradizer, porque eu não sigo certezas) de que palavras são sim, de fato, indignas de confiança.

Todo mundo neste mundo está em busca de sobreviver apenas, mesmo que faça de si próprio o ator de seu próprio mundo de ilusões, não importa a quantidade de pessoas que vamos enganar no processo.

Mas como todo bom ser humano digno da vida, num momento de dor eu apenas me recolho à reflexão. Não fingirei, como fazem as massas estúpidas. Não me atirarei em atividades vazias que em nada trarão significado para mim. Não irei em busca de pessoas para substituir outras pessoas.

Estando certo ou errado, a felicidade para mim nunca foi uma finalidade, e descobri isso muito cedo, mais do que eu gostaria. Acima disso, eu busco paz e sensatez. Ao menos com a minha consciência eu quero estar em paz, jamais mentindo a mim mesmo, ou usando outras pessoas para que eu sinta que sou menos solitário e perdido. Eu sempre fui perdido, e não preciso de ninguém para guiar os meus caminhos, como nunca precisei antes.

A abertura pra um mundo com pessoas fez de mim um fraco. Eu sempre fui sozinho, nunca precisei de ninguém, e não é agora que isso vai mudar. 

A felicidade, quando incomoda, torna-se a ironia do coração que está doendo. Mas é, dor nunca foi um problema. A dor sempre me fez crescer, por mim. O absurdo mesmo é descobrir o motivo para continuar seguindo. Pelas pessoas, nunca mais.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.