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Misantropo I

Alvejo em choque
Arremedo-me em contrapartida
Não pedirei, jamais, licença
Dai-me a escusa, porém
Se és por liberdade
Dai-me o passe total da vida.

Que seja perante ao pernicioso
O perverso e o doloroso
Pois que venha o ardume
Do inferno escarnoso

Que me tragam o futuro
A ruína das fortunas
Dos sonhos e conjecturas
Que zombe, essa divindade hostil
Das feições da persona
Em letárgica máxima febril.
Estes espinhos, que tão profundos
Perfuram a sanidade do homem gentil
Não queira dele tirar o mel
Senão o veneno da alma senil

O máximo do néctar que lhe doa
É a resposta cínica, amarga e mordaz
Versaria-lhe com metáforas melífluas
Escondendo as falácias de uma alma:

Entremeios às brumas do arrozal
Ao charco atiro-me, deixa-me lá
O homem que vem do barro
Não necessita de piedade
Não precisa de perdão
Aos que viveram o inferno da realidade
Vivem a felicidade de estar no chão.

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