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Depressão Parte 3 - 2014 a 2015 (o que veio depois da separação)

É difícil compor o que veio a seguir, mas se você tem mais de 25 anos, e se você não vive preso nas mentiras de um Instagram ou Facebook, se você não molda os acontecimentos pra que caibam no perfil de uma rede social, então você deve saber, a esta altura, que a vida é repleta de revezes. A expectativa obsessiva nos faz lamentar estes revezes, porém, hoje em dia, eu os agradeço, e até espero que mais deles venham, porque é assim que sabemos que não podemos viver dentro de um caminho pré estabelecido. Estes revezes são nada mais do que pequenos pedaços de realidade que nos caem no colo como uma forte chuva de granizo, alguns deles nos acertam na cabeça, e doem, nos fazem acordar, ver as coisas como de fato são.

Pois é, a Kátia sofreu duas perdas, uma mais grave do que a outra, o que a abalou emocionalmente, e alimentou ainda mais um antigo sonho dela, de morar fora de São Paulo. Eu tentei segurar este abalo com tudo o que pude oferecer na época, mas eu sabia o quão imaturo e despreparado que estava pra lidar com o que estava acontecendo. Estar perdas fizeram com que ela se distanciasse, acabou entrando em um caminho espiral, em direção a um mundo que eu não queria ir, porque ia de forma oposta ao que eu buscava para mim. E nessas horas eu me perguntava o que de fato faria um casal funcionar, se a congruência das suas escolhas ou o paralelismo? Ou, por que não, a intersecção ou perpendicularidade dessas decisões? Estou divagando... o que quero dizer é que, se as nossas escolhas devem ser parecidas sempre, ou se podemos, às vezes, cada um seguir os nossos caminhos, mesmo que estejamos cada um em um lugar diferente em alguns momentos, sempre teremos um local comum para nos encontrarmos? Eu sempre tive isso muito claro, de que um casal não precisa ser identico para dar certo, mas acho que fui ingênuo demais em esperar o mesmo das pessoas. E tudo bem, pois, como a própria Kátia vivia repetindo, e isso me foi uma das maiores lições de vida, as pessoas vivem suas vidas em tempos e processos evolutivos diferentes. Em outras palavras, não demos certo juntos, por causa de uma série decisões apressadas e assustadas de nós dois, e a nossa separação veio com traumas, como se fosse uma espécie de mutilação, porque apesar de sermos de idades muito diferentes, ela cinco anos e meio mais velha do que eu, éramos muito ligados um ao outro.

Ela sofreu mais do que eu a princípio, eu via na expressão dura, que ela segurava uma dor muito forte dentro de si, uma vontade de gritar pra que eu não fizesse aquilo, e não tinha coragem de soltar esse grito, porque era óbvio na minha expressão de que eu diria não, e talvez causasse ainda mais dor a ela. E do meu lado, eu sentia um peso e uma culpa imensas por deixá-la pra trás, me sentia um ingrato, um... um grande filho de uma puta. Mas eu não podia mais mentir para mim mesmo e nem para ela, que eu não sentia mais a mesma coisa, e talvez, por mais doloroso que tenha sido, foi a melhor decisão naquele momento.

Eu faço uma pausa aqui para dizer que sempre odiei quando diziam isso para mim, quando alguém me frustrava as expectativas com frases de consolo de parachoque de caminhão: "não era pra ser, foi melhor assim." E estas coisas.

Mas eu estava anestesiado, talvez com o alívio de me livrar de uma situação que estava me consumindo. Pois é, eu não vou entrar nos detalhes, porque eu tenho muito respeito pela Kátia, embora ela me despreze hoje, embora ela ache que eu sou um homem que eu não sou. Por uns anos atrás, essa visão que ela criou de mim me machucava, me pungia a alma, porque era acercar de mim uma opinião que não era verdadeira, e é assim o que acontece com um morto: ele não tem direito a defesa e a resposta. Mas hoje, isso é só fruto do ego, e eu não me apego mais a estas coisas. Eu sei a pessoa que sou e isso só importa para quem está próximo de mim. Eu compreendo o que motiva os sentimentos dela, e não pretendo mais tentar reavê-los, mas também não posso mais me martirizar por causa disso, afinal, ela não é a única pessoa desse mundo, e mais, não é a única mulher.

Demorei para perceber que havia algo de errado comigo, com o meu emocional. Depressão é uma doença silenciosa demais, e por sentir alívio, não pude notar todas as sequelas daquela guerra interior: parei de ler, parei de tocar meu baixo, parei de tocar me piano, não conseguia mais escrever, e só tinha tempo pra uma socialização desesperada.

Na época do fim do namoro com a Kátia, eu conheci uma garota, uma ex-aluna, a Laura (fictício). Ela foi um grande conforto pra mim, era algo diferente, empolgante, algo totalmente novo. Algo que se mostrava como um respiro e uma esperança de salvar uma juventude perdida em relacionamentos sem futuro, e puxa vida, como eu amei a Laura.

Mas durante um curso para certificação de proficiência em língua inglesa, para tirar o CPE, numa proposta de trabalho, em que eu deveria escrever uma dissertação sobre arquitetura irregular das favelas de São Paulo, eu travei. Tentei utilizar o método do meu professor de redação do cursinho, o professor Gésu, em que consistia em pegar um papel e escrever tudo o que me vinha à cabeça sem preocupar-me com pontuação ou gramática, apenas para desbloquear a mente, e não funcionava. Eu tentei brainstorming, tentei a técnica de parafrase, tentei tudo o que pude lembrar, e não importava o que eu fizesse, a redação não me saía. Quando reportei à minha professora, ela me fez umas perguntas que em nada tinham a ver com inglês:

"Você tem dormido bem Matheus?"
"Não, mas eu sempre tive problemas pra dormir professora, é normal na minha família."

"Você tem se alimentado direito?"
"Bem, eu como pouco, mas na maioria das vezes eu não tô com fome."

"Você sai pra se divertir, faz o que no tempo livre?"
"Não faço nada professora, ultimamente eu ando tão cansado que não sinto vontade de fazer nada."

"Posso fazer uma pergunta pessoal?"
"Claro professora."

"Você chora ou sente tristeza e vontade de chorar?"
"Nossa, sim... como a senhora sabe?"

"Matheus, eu acho que você deveria procurar um médico, uma psiquiatra"

E foi aí que ela me explicou sobre os sintomas de depressão, e me revelou que ela passou por isso uns anos antes, quando se mudou para o Brasil (ela é espanhola), que não conseguia se conectar com nada.

Então eu fui para casa pensando muito sobre isso. Eu sempre soube o que era depressão, e nunca tinha feito nenhum exame ou passado por nenhum psiquiatra para me diagnosticar com o problema, e portanto, minha melancolia e tristeza repentinas, eu as tratava como coisas do acaso, do dia a dia, como cansaço, ou como algo relacionado a algum evento passado da minha vida. Mas nunca imaginei que isso poderia ser, na verdade, um sinal de que eu sofria desse problema.

Entrei em contato com minha antiga psicóloga, a Daiane (fictício), e marcamos uma consulta, depois de quatro anos de um tratamento que eu havia interrompido com ela.

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