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Depressão - Digressão 5 - O Curioso Japão

Eu gostaria de falar um pouco sobre a perspectiva superficial a respeito da depressão, sobre etereotipos culturais, sobre valor cultural e sobre comparação cultural.

Não sei exatamente como começar então vou simplesmente deixar o fluxo de pensamento seguir. Um texto precisa de contexto, como uma base, ele precisa de uma apresentação ao leitor, para que ele entenda, como se eu fosse um guia através dos corredores imensos e repletos de portas, em que eu digo "venha, é por aqui, agora venha por aqui, e depois siga comigo por aqui", e em cada porta e corredor que passamos, imagens vão surgindo, para quando nós possamos finalmente chegar em nosso destino, o leitor pense: "ah sim, entendi porque você me trouxe aqui" porque todo o trajeto tenha feito sentido para ele. Mas às vezes este trajeto não fica tão claro assim na minha mente, e não sei como construí-lo para que o destino faça sentido, de certa forma, continue seguindo, eu vou tentar fazer com que as coisas tenham clareza no caminho.

Quando eu era bem pequeno tinha uma admiração muito grande pela cultura japonesa, pensava eu. Na verdade o que eu gostava mesmo era da cultura japonesa transmitida pela perspectiva do entretenimento disponível, os animes, como Cavaleiros do Zodíaco e Yu Yu Hakushô, e os Tokusatsu, como Jaspion, Jiban, Jiraya, e até mesmo os Tokusatsu da Toei e Bandai, como os Super Sentai Flashman, Changeman, Maskman, etc. A partir destes tokusatsu eu desenvolvi um gosto muito grande por robôs transformers. Era fascinante ver que diversos robôs travestidos em animais, veículos de guerra, naves espaciais, com um ou dois apertar de botões se transformavam em um gigante robô humanoide de batalha. Muito estava envolvido naquelas histórias e pouco estava explícito para mim. Ao longo das histórias que culminavam no clímax e orgásmico momento para mim, a transformação dos robôs, as crianças da época eram brindadas com a estranha cultura japonesa, desde a curiosa linguagem corporal, extremamente formal e educada, até mesmo os maneirismos das expressões faciais, dos gestos, dos alimentos, da comida, etc. A organização e pragmatismo japoneses me atingiram em cheio, e em comparação com a minha cultura, a brasileira, eu acabei criando um senso de inferioridade muito forte. Algumas pessoas passavam pelo mesmo processo, mas por causa da cultura americana. A cultura japonesa era para os mais tímidos, mais modestos, mas apenas a aparência, e que, porém, em seu interior, reservavam dentro de si uma ferocidade de um tigre ou um leão adormecido. Talvez um tigre seja a melhor definição animal para os modos de viver de um japonês, ele é aparentemente dócil, mas pode ser letal e feroz, pois na sua observação silenciosa, consegue mirar exatamente o ponto fraco de seus adversários. Isso era admirável. No que já a cultura americana era mais ousada e barulhenta, porém, tão ou mais audaciosa, e determinada. Eu via no americano o bully, mas no bom sentido, o homem que não tem medo de dar a cara a tapa e se mostra mais, se exibe mais, e não desiste até conquistar o seu objetivo. O que era o brasileiro para mim, então? Aquele que aceitava o segundo lugar, ou até mesmo, por que não, o terceiro, ou cada vez mais inferior, o décimo, o vigésimo: o importante é competir, não ganhar. Para o americano e o japonês não, o importante era vencer, e essa determinação faltava na minha cultura, como eu fui ensinado na época.

Mas é claro que a doutrinação tem uma brecha muito grande e larga, um grande risco que fica aberto e exposto, e que ninguém pode controlar. De vez em quando desenvolvemos algo como senso crítico, e começamos a fazer perguntas. O afastamento veio rápido e violentamente, primeiro dos americanos, e muito depois, dos japoneses.

Em um mangá, o Death Note, algo já me incomodava, as personagens femininas eram como um instrumento para atingir o objetivo do personagem principal. O meio para se atingir um fim. Isso começou a me incomodar. Parecia algo da minha cabeça, mas preferi seguir adiante com isso. E talvez eu pudesse bater na tecla do feminismo mais rigoroso para usar como justificativa de que o japão é um país machista. Mas o Brasil e os Estados Unidos também o são. O mundo inteiro é machista, então isso não é uma exclusividade do japão. Porém o que mais me aborrece é que isso é uma constante, as mulheres exageram e extrapolam os padrões a partir de um imaginário feito de desenhos animados. Algo de muito errado está acontecendo quando estamos okay com o fato de mulheres com corpos imensos tem o comportamento de crianças inocentes ou ingênuas. Algo de muito estranho está acontecendo quando existe uma tolerância forte no que diz respeito à sexualidade de pessoas que agem como se ainda não tivessem atingido a maturidade para lidar com algo tão complicado. Podemos listar muitos exemplos de animes que atualmente se apegam a estas questões. Alguém pode vir aqui e citar exceções como Cowboy Bebop, Evangelion, Ah! Megami Sama, ou o próprio Yu Yu Hakushô, porém, existem em cada um desses animes uma construção de situação que no fim das contas acaba sempre por favorecer as necessidades do universo masculino, em primeiro lugar, em detrimento das individualidades de cada personagem mulher. Eu comecei a me questionar disso, afinal, por que, em nenhum desses animes, a necessidade feminina é levada em consideração? Mesmo que a personagem não acabe vivenciando nenhum tipo de situação em que ela esteja exposta a ser uma mera ferramenta para a finalidade masculina, existe uma conivência dessa mesma personagem. No universo japonês destes desenhos animados a mulher é uma mera coadjuvante dos dramas de um universo masculino estranho e confuso. E isso me dá um gancho, eu espero, para uma próxima questão: a honra japonesa.

Alguns pensadores contemporâneos poderiam dizer que esses valores de origem emocional como honra, patriotismo, fé, coragem, são uma grande idiotice de manipulação de massas. Não consigo não concordar. Atualmente eu tenho um amigo vivendo no Japão que está à beira de um colapso emocional, isso se ele já não estiver totalmente debilitado. A honra japonesa consiste em obedecer sem questionar, ao que me parece. A honra japonesa talvez consista em tapar o sol com a peneira, ou virar às costas a tudo aquilo que eles considerem vergonhoso. Fazer as coisas por baixo dos panos para manter a aparência organizacional que eles tem em desespero por mostrar ao mundo. Podemos pegar como exemplo prático todos os hediondos crimes de guerra que os Japoneses cometeram contra os Chineses e Coreanos no período da Segunda Guerra Mundial, e que nunca são trazidos à tona por causa de todo o alarde causado por Hitler. Se um "vilão histórico" pudesse fazer uma sombra maior na fábula do bem e do mal da história oficial, talvez poderíamos saber um pouco mais sobre estes assuntos.

Ou talvez poderíamos mencionar o quanto o Japão não presta contas ao restante do mundo sobre as suas usinas nucleares que estão em constante risco de uma nova explosão depois dos terremotos de 2011. Eu posso me lembrar bem claramente de uma fotografia que circulou exaustivamente neste período. Uma estrada que sofreu grandes estragos estava reconstruída apenas em questão de dias. Enquanto que no Brasil, por causa da tragédia dos deslizamentos de terra no Rio de Janeiro, nas regiões de Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, ainda encontrava-se sem aparente solução, contrastando novamente a eficiência japonesa contra a falta de organização brasileira. Mas as pessoas não levaram em consideração, talvez, a diferença e necessidade de se lidar com cada uma das questões. No caso do Rio de Janeiro, para se remover pessoas de uma área de risco leva-se um tempo de negociação muito maior, precisa-se encontrar locais de abrigo, locais de moradia, a burocracia brasileira também não colabora para que o ressarcimento das famílias ocorra de forma mais dinâmica, em outras palavras, pessoas não são estradas. Agora quanto à estrada japonesa, foi maravilhoso sim de ver o quão eficientemente eles reconstruíram os danos, mas não seria de demanda necessária, afinal, trata-se de uma via de circulação importante para economia do país. Em outras palavras, a estrada japonesa de Naka, na província de Ibaraki, é uma rota comercial importante para a região. E o que se via da foto da reconstrução era apenas um trecho da estrada, e não a estrada na sua totalidade. Como cético, hoje, até mesmo duvido de que eles de fato tenham reconstruído uma estrada inteira em apenas seis dias. Eu me pergunto se é possível, mesmo com uma eficiência e tecnologias avançadas. Mas não vem ao caso, além do mais, não quero tirar o mérito da rapidez dos japoneses, mas o que está em questão aqui é que não foi por uma causa humanitária, e sim por uma causa financeira. Em contrapartida, muitas vítimas do acidente japonês de 2011 permaneceram meses, até anos, sem ter assistência do governo. Nos jornais da TV é algo muito bonito e agradável de se ver, mas quando se mora lá, a realidade é diferente. A narrativa principal aqui é a dessa constante no imaginário social de que o país do outro é sempre melhor do que o nosso, mas existe muita coisa que acontece que só entenderíamos em situações de choque cultural. Eu desejo que um dia todos possam passar pela experiência de morar em outro país para entender que é apenas uma outra cultura, e que a estabilidade financeira prometida pela maravilha do sistema econômico não é a garantia de uma vida feliz, pelo menos não o é para quem não gosta de viver apenas na superfície das coisas.

O que quero deixar claro aqui é que não acredito de forma alguma que exista um lugar perfeito, ou melhor do que o Brasil. Eu sou totalmente cético quanto à ideia de paraíso na terra. As pessoas trazem como fonte suas próprias experiências pessoais na hora de dizer que "em X lugar o serviço X funciona" e pode ser que sim, mas isso não me dá garantias da tragédia da vida, e da questão de que o ser humano é apenas um peso morto na balança comercial dos países.

O escritor Haruki Murakami tem como tonalidade principal em muitos de seus romances a solidão e a indiferença do povo japonês quanto às suas questões de ordem emocional. Além do mais, ele tem uma preferência muito grande em citar ícones da cultura ocidental em suas obras, e isso é o suficiente para que ele caia no desgosto do público japonês. Não seria isso uma evidência de comportamento xenofóbico?

Quando ele foi indicado para o Nobel em 2016, concorrendo inclusive com uma escritora brasileira, a Lygia Fagundes Telles, pouco se falou sobre ele em seu país. Não houve torcida ou nenhum tipo de congratulação. Como que um dos maiores nomes da literatura japonesa contemporânea é deixado de fora dos agrados de seu próprio país apenas por não enaltecer o estereótipo cultural que a nação gostaria de vender? Além do mais, depois da vitória do prêmio nobel por Bob Dylan, pouco se falou da nossa própria Lygia Fagundes Telles, não falou-se do seu estilo único de adentrar na psiqué de suas personagens, e da sua narrativa ousada em alternar a primeira pessoa, como pensamento das personagens, e terceira pessoa, como o personagem descrevendo sua perspectiva externa das situações ocorridas. Pouco se fala também do quanto ela é uma mestra em trabalhar os pontos de tensão a partir das personalidades distintas e muito bem trabalhadas de suas personagens. Mas muito se falou de Bob Dylan. Qual o valor cultural que gostaríamos de adquirir aqui? Não somos nós mesmos que sempre nos queixamos de que "nunca ganhamos um prêmio Nobel" mesmo sendo uma nação que pouco lê ou pouco faz ideia de como funciona a delegação que decide a premiação. Eu mesmo não sei como funciona. E o que tem de superior à nossa uma cultura que é exacerbadamente consumista, a japonesa, apenas porque conseguem trazer a preços irrisórios o primor de tecnologias que mais nos tornam distantes não apenas uns dos outros, mas até de nós mesmos intimamente?

Eu citei acima um amigo meu que está morando no Japão já faz uns dois anos. E eu citei o quanto estou preocupado com a sua saúde mental. Não vou falar do nome dele aqui, mas vou falar do que ele está passando. A cultura trabalhadora do Japão é desumana, e eu diria que beira o escravismo. Existe, pelo que ele me disse, a legislação de que você tem que trabalhar oito horas no mínimo, mas é lugar comum e já aceito coletivamente o fato de que você deve na verdade trabalhar ao menos as dez, ou doze horas por dia. Ele está cada dia mais desgastado, e juntando com a desconfiança japonesa por mestiços (pois ele é filho de japoneses nascido no Brasil), tem muita dificuldade de cultivar uma relação sincera e próxima de amizade com alguém. Todo ser humano necessita de acolhimento. O resultado disso é o quanto ele vem sofrendo emocionalmente, e pode parecer que já esteja num grave quadro de depressão. Um dia desses ele me enviou uma foto com o corpo todo marcado de arranhões, automutilação. A solução japonesa para este caso é a internação em um sanatório, porque eles se recusam a considerar a depressão uma doença de fato. Não é algo que a medicina oficial nega, mas a cultura geral é muito mais tolerante com casos de suicídio do que a nossa. 

Em nosso país Brasil eu posso dizer com uma certa ponta de orgulho do quanto temos sido mais abertos para discutir temas que são considerados tabu em todo o mundo: depressão, suicídio, sexualidade. Temos sim uma cultura machista, homofóbica, sexista, preconceituosa e estranha em relação ao sexo. Mas até você mesmo, meu amigo moralista, eu sinto mais orgulho de você do que de qualquer outro cidadão em qualquer outra parte desse mundo, porque nós brasileiros temos uma relação muito mais aberta com as questões da saúde. Somos mais ligados ao sexo, discutimos isso sem cerimônias e abertamente, e os benefícios a longo prazo seriam, talvez, uma redução em casos de estupro e pedofilia. Ao contrário do que se pensa, não discutir sexualidade é o que leva à violência sexual, mas é claro que isso é só uma crença pessoal do que um fato. De certa forma, eu fico feliz em saber que aqui as pessoas refletem sobre isso. Ainda estamos longe do ideal, mas ao menos estamos no caminho. O mesmo sobre a depressão, pois os temas são trazidos para a TV, para os jornais, todo ano aderimos às campanhas e estamos cada dia mais nos conscientizando em prol de assegurar que nosso compatriotas não cometam a tragédia de suicidarem-se.

No japão a tolerância com esse caso é assustadora e desumana. Eles negam e condenam a pessoa que comete suicídio, no contrário que deveriam repensar os comportamentos intrínsecos à sua cultura que levam às pessoas a esse caso. O drama japonês é superficial e fútil, e a camada profunda de seus sentimentos é escondida por uma aparência de organização, mas no fundo, eles estão desesperados e gritando. Não me espanta o porquê um cidadão deste país se sente tão atraído pela cultura ocidental uma vez que entra em contato com ela. Desse ponto de vista moral eu posso dizer: somos muito mais livres, e não existe nada mais caro do que a liberdade, nem mesmo videogames, celulares e linhas de trem funcionam como relógios estão acima deste preço.

Depois de tanto tempo refletindo sobre isso, eu esperei por alguém que pudesse falar a respeito do tema, mas decidi falar eu mesmo, nesse texto todo desconexo e cheio de apelos. Ainda assim, eu imagino que isso poderia trazer um pouco de reflexão sobre o fato de que não deveria jamais existir o conceito de cultura superior ou inferior. É esse o protecionismo que acaba nos conduzindo à pensamentos de intolerância e violência, e quando há momentos de crise política mundial, estes pensamentos podem ser perigosamente utilizados para repetirmos os erros do passado. Embora eu não tenha nenhum tipo de otimismo em relação a isso. Como disse antes, sou de uma natureza absolutamente cética.

PS> Como isso não se trata de um artigo científico mas de uma carta informal, caso tenha dúvidas sobre o que foi citado, a internet está logo ali, abra uma aba e pesquise. Não me force a ter lugar de fala porque se exigirmos especialidade em qualquer assunto conversado, então não me admira o quanto nossas conversas no cotidiano social estejam tão desagradáveis. Não me acusem de reclusão ao viver em um momento assim. 

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