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Crônicas do Não Saber: 1

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Eu não compactuo com o lunatismo conspiratório de Olavo de Carvalho, mas eu seria desonesto demais se não desse a ele os créditos por uma parte do meu amadurecimento. Confesso que só realmente dei atenção a ele por causa das gritarias de confissão desesperada de seus opositores na internet, trazendo na figura dele a imagem de um debochado profeta do caos, caso não sigam o que ele tanto tem a alertar.

No prefácio do livro Admirável Mundo Novo, versão da Editora Globo, de 2001, ele fala sobre a condição de saúde de Aldous Huxley, e aqui recrio as próprias palavras de Olavo:

"Símbolo e resumo de sua trajetória vital é a luta de décadas que ele empreendeu contra a cegueira. A doença que aos 17 anos reduziu sua visão a aproximadamente um décimo do normal não foi para ele, como provavelmente o seria para muitos escritores numa era de egocentrismo e autopiedade, ocisão de especulações vãs sobre a maldade do destino."

É até curioso que Olavo tenha escrito desta forma. Ele próprio é um especulador sobre as maldades, mas talvez dos homens, e não do destino. Eu não tenho propriedade nenhuma pra falar de Olavo de Carvalho porque eu conheço tão pouco desse homem, e tão pouco do que ele escreveu, que eu poderia ser injusto. Mas apesar do ensinamento tão meteórico, e que bateu na minha imaturidade de forma tão contundente, eu gostaria de me desculpar Olavo, mas eu não consigo compactuar com suas ideias conspiratórias. Sinto saudades da sua sanidade na forma de descrever a pessoa de um escritor tão consagrado de forma tão cirúrgica.

Mas ei-me aqui, falando de Olavo sem alguma direção. A bem verdade é que eu me via em autopiedade e especulando sobre as maldades do destino porque, não sei bem dizer, alguém não gostou da minha cara ou do meu jeito de me expressar. Não foi algo que fatalmente me tomaria a vida. Quem tomou a vida de mim fui eu mesmo, por ser da geração muito pior do que a autopiedosa e egocêntrica dos baby boom, por ser um milennial.

Quero aqui deixar a ressalva de que combato completamente essa questão sociológica de enquadrar a humanidade nesses cubículos comportamentais que são separados a cada dez anos, mas, não há que se questionar pelo menos que, em parte, temos alguma dificuldade de nos separar do nosso pensamento coletivo.

O meu caso comigo mesmo foi uma batalha contra a minha própria ignorância, e o placar mostra que estou perdendo. Eu li tão poucos livros se comparar com a quantidade dos que leram os autores que eu tanto admiro, e em parte seria porque eu não tinha a mesma chance que eles tiveram? A autopiedade é uma doença tão prejudicial pra alma, vai nos devorando de fora pra dentro, nos tornando completamente aleijados da realidade, então, como dizer que não tive chance? Mas numa guerra contra a ignorância, quem seria meu adversário? Como é possível comungar o que se sabe de uma forma direta e não complexa, sem a busca de vocábulos rebuscados empreitando o estilo para a deriva de um vazio de conformidade. Só para saber, se você passou mais de trinta segundos tentando entender o sentido da última frase, ela não tem sentido algum, pois nem mesmo eu sei o que eu quis dizer com aquilo, embora talvez fique um pouco claro o que eu queira dizer: eu sou um total ignorante ornado de jóias.

Talvez a melhor ilustração seja aquela pessoa cheia de dinheiro mas sem os modos para a riqueza. Nós temos que adotar os maneirismos dos ricos, caso queiramos ser ricos de verdade, do contrário, que tipo de ricos seremos? Então para a aspiração do auge do homem moderno, para o caminho mais feliz do homem comum, para o caminho do rico: aja como um rico, pense como um rico, fale como um rico, mesmo que não seja rico. Aliás, começo a acreditar agora mesmo que para ser rico não precisamos sequer de dinheiro, se já adotarmos a postura de um ser rico. Esta última eu aprendi comigo mesmo.

A jornada para se escrever alguma coisa de valia tem me tornado um sarcástico crônico, mas não posso deixar jamais de citar aqui a todos aqueles a quem me ensinaram alguma coisa para que eu seja o que seja: gostaria de pedir aqui, para que façam uma pausa de alguns segundos para dar o efeito dramático que eu desejo pra esse momento, faça isso por mim, por favor. Obrigado.

A ausência de citações só demonstra o meu completo vazio. Levando a crônica adiante sem um propósito qualquer, a única coisa que tenho é isso: Olavo de Carvalho, autopiedade, ser rico sem ter dinheiro, e a minha completa ignorância.
Está aberta, querido parceiro, a temporada das crônicas da vida sem saber.

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