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Depressão - Digressão 6 - O Louva Deus em Mim

Depressão é, a grosso modo, uma decisão. Mas é uma decisão forçada. Depressão é um acúmulo de emoções negativas que decidimos segurar, acreditando na ilusão de que possamos resolve-las um dia. Depressão é a doença emocional da culpa e do rancor. Vou citar uns exemplos a seguir:

Quando alguém tem um problema conosco, se tivermos um pouco de bom senso, talvez uma dose de coragem, tentamos encontrar uma solução. Claro que há uma parcela muito grande que encontra como solução simplesmente virar as costas e fugir, mas não vem ao caso agora. Pedimos desculpas, tentamos agir bem, encontrar uma forma de harmonizar a situação, mas eventualmente essas tentativas não funcionam, e a tendência mais comum é o surgimento da culpa. Adotamos a culpa para nós mas também queremos encontrar um responsável. A falta de disposição para abandonar o ego e simplesmente deixar as coisas irem embora cria um acúmulo de emoções negativas, essas emoções negativas tornam-se uma carga que cedo ou tarde derrubaremos em cima de alguém.

Após alguns minutos de meditação, e após alguns eventos recentes, eu comecei a repassar o histórico de emoções negativas da minha vida, sem julgamentos ou sem atribuições de culpa. Fui longe, tenho uma capacidade boa de lembrar coisas antigas da minha vida, mas hoje em dia eu não confio mais na memória. Aprendi recentemente que a memória é seletiva, e tende a trazer uma ideia parcial do nosso passado a fim de proteger a nossa consciência. Enxergamos as coisas da forma que seja menos agressiva pro nosso emocional. Ainda existem estudos em andamento para dar essa ideia como uma afirmação factual, leva-se tempo e um rigor de método que talvez demorará uns anos para termos alguma certeza. De qualquer maneira, mesmo ainda sendo uma hipótese, é uma hipótese que faz sentido na minha concepção pessoal. Claro que não vou usar isso como um escudo científico para justificar as coisas. 

Nas minhas lembranças eu percebi que o conflito emocional negativo é algo que me acompanha desde cedo, e eu não duvido que isso seja igual com qualquer outra pessoa nesse mundo. Nesse sentido eu às vezes acredito que somos ainda um monte de crianças aprendendo a socializar. Como comunidade, estamos sempre nos agredindo, e eu só gostaria de entender o porquê. Existe um ciclo de mágoas e raiva que parece não findar jamais, e parece que cedo ou tarde alguém vai aparecer nas nossas vidas e apontar um dedo rancoroso na nossa cara e despejar com muita ansiedade: você me machucou. Eu mesmo já fiz isso muitas vezes, e em muitas vezes a reação que eu recebia das pessoas que eu acusava era de confusão. Pensando hoje eu imagino que estas pessoas que me machucaram sequer se lembram disso. Por isso eu também acho que a depressão é uma doença extremamente egocêntrica. Há hoje em dia muita romantização a respeito dos problemas emocionais, e tem pessoas que até mesmo forçam em se tornar extremamente difíceis de lidar apenas para criar situações negativas, afim de justificar a depressão. Existe uma aura de status em ter depressão rondando a mentalidade das pessoas, porque desperta atenção e empatia mas de uma forma negativa. E eu também já fiz isso muitas vezes na vida. Lendo uns textos de 10 a 15 anos atrás perceberão claras evidências de que isso acontecia, até o momento em que eu realmente desenvolvi o problema.

Lembro de um texto sobre bullying que eu escrevi, e também está aqui no blog. Eu falava de alguns casos que aconteceram na escola em que estudei, a escola São Vicente de Paulo, entre os anos de 1993 a 1999. Foram apenas seis anos da minha vida, mas pareceram uma eternidade. Depois de escrever sobre bullying, por alguma razão, este texto acabou parando na página de Facebook da escola, e muitos colegas que estudaram comigo reagiram com muita confusão e ressentimento. A maioria deles sequer se lembrava da época em questão, eles não conseguiram se lembrar de nada do que acontecia na escola, nem mesmo nas próprias vidas delas. Isso foi curioso. Como alguém se esquece do seu próprio passado? Eu me perguntava isso sempre. A resposta é simples: elas não são tão egocêntricas quanto um depressivo.

Para quem tem depressão isso é uma realidade difícil de aceitar, afinal o depressivo se considera especial e quer ser tratado pelo mundo como tal. Mas a realidade é bem diferente. O depressivo tem a tendência de criar uma bolha e dentro dessa própria bolha, a versão da história é sempre favorável ao depressivo, o depressivo é sempre a vítima de um mundo cruel e indiferente.

Não me entendam errado, o mundo é, em muitos momentos, na maioria deles, eu posso dizer, cruel e indiferente. Mas o depressivo faz parte disso, logo também está passível de ser cruel e indiferente também. O depressivo não está acima do bem e do mal apenas por carregar todo peso do mal que lhe cometeram e o dificultaram de administrar isso.

Eu não sou o meu terapeuta e passo por um tratamento no momento, mas sinto que estou aos poucos me curando.

Tomei uma decisão hoje: tomei a decisão de que vou deixar o louva deus em mim despertar, este louva deus que tem dentro de todo mundo, e que luta pela vida com determinação, para se defender. Este louva deus está despertando ainda, meio sonolento. Mas decidi que não vou mais permitir que alguém me machuque, independente do meu passado, independente do meu presente, e independente do meu futuro. Eu não tenho todas as respostas e não espero cometer apenas acertos. Se existe alguém por aí que ainda guarda rancor, isso não é mais responsabilidade minha porque só eu sei o tanto que tentei me fazer perdoar. Agora a aceitação desse perdão já está além do meu alcance, e se vai ou não ser aceito, isso não será mais um impedimento pra que eu siga em paz com a minha vida. Eu vou simplesmente ignorar.

Eu tenho minha namorada, e o filho dela. Além dos meus próprios pais, nunca antes havia sido alvo de tamanho amor. Não é amor romântico e fantasioso, não vem de uma pessoa que criou uma ideia de quem eu sou, e depois me maltratou porque eu não correspondi a essa ideia.

Tenho minha família, meus pais e o carinho deles. Tenho o amor e o respeito dos meus irmãos. Tenho meus melhores amigos, que são poucos, é verdade, mas são amigos que já estão comigo desde que eu sou pequeno, então já fazem parte da minha vida. São como família para mim também. E é só disso que eu preciso. O restante ruim, eu e o louva deus cuidaremos disso.

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