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Haruki Murakami

Não sou de escrever texto de opinião, fico muito desconfortável. Opinião é uma coisa muito etérea, como vapor, como o ar mesmo. Não diria como a água, porque a água é líquida, e ela está sempre se movendo de um lado a outro, e cedo ou tarde entramos em contato com ela.

Mas o ar não. O ar, apesar de ser algo bem real, afinal nós precisamos respirar, há vezes em que até nos esquecemos dele. Pelo menos é o que acontece comigo. Eu tenho alergias respiratórias, então só me lembro do ar quando ele está me causando algum desconforto. Acabo tendo que mudar de lugar. Assim é a opinião pra mim.

O que isso tudo tem a ver com o título do meu texto?

Quando eu era mais jovem as pessoas tinham dificuldade em compreender minhas ideias e opiniões; diziam de mim que eu não tinha uma noção clara sobre as coisas, que eu não entendia as coisas direito e que eu era uma pessoa burra, e isso me fazia sentir muita solidão. Convivi tanto com a solidão que acho que conheço muita bem a maioria dos aspectos dela. Não quero dizer com isso que sou expert em solidão, mas eu já tenho muito costume de lidar com ela. Preferi me recolher com meus pensamentos confusos, com minhas opiniões estranhas.

Como por exemplo: se hoje me perguntassem o que eu penso sobre determinada pessoa, eu teria algo a dizer. Mas dali a algumas horas eu já teria mudado completamente minha opinião sobre essa mesma pessoa, porque provavelmente eu me colocaria a pensar sobre o assunto e enxergaria aspectos que no momento da pergunta não teria enxergado. Já quis até mesmo fazer algo do tipo: 

- Lembra quando você me perguntou sobre aquela pessoa? Então, eu agora penso diferente sobre ela.

E aí me receberiam com uma atitude de frustração ou desagrado. 

Comecei a perceber que muitas vezes em que perguntamos a opinião de alguém, é porque as pessoas estão buscando uma forma de reforçar algo que está inseguro nelas mesmas. Como dizer que eu não gosto tanto assim de doces por causa do açúcar (é verdade, eu tenho medo de açúcar) e eu preciso encontrar no mundo mais umas dez pessoas que pensem o mesmo que eu, apenas pra que eu não sinta que é estranho demais por pensar assim dos doces. Quem não gosta de doces não é? Bem, hoje eu não gosto tanto assim. Mas não sei daqui a algumas horas.

E o mesmo acontece sobre pessoas. Porque vamos colecionando nossa cartilha de amor e de ódio pelo mundo por causa de coisas que achamos que entendemos mesmo sem entender muito bem. E isso é tão complicado, ao menos pra mim. Acho que é muita energia e muita coisa pra organizar dentro de mim, por isso se algo me desagrada ou me desconforta, eu prefiro deixar ir embora. Não me importo.

Quando vemos um gatinho machucado, se tentamos pegar pra cuidar, a primeira reação dele vai ser de agressão. Porque nossa tentativa de cuidar dele, por mais bem intencionada que seja, não vai ser vista como algo necessário naquele momento. Ele vai sentir mais dor por estarmos mexendo da posição encontrada pra reduzir o desconforto do machucado. De repente os gatos sabem como cuidar de si mesmos, e entre si. Mas somos seres lógicos, racionais, e entendemos que ficar parado esperando a dor passar pode trazer mais complicações do que resultados. O ideal é buscar um tratamento para o gatinho. Mesmo sem ele entender, vamos continuar tentando cuidar dele até que eventualmente ele se cure. É provável que ele nem perceba que cuidamos dele, não agradeça ou ainda venha roubar nossa comida.

Um dia eu vi uma borboleta que se machucou e pousou com suas asas quebradas próximo a um formigueiro. Antes que eu pudesse fazer alguma coisa as formigas já tinham se apossado dela e começaram a devorá-la. Senti uma pontada de dor, mas o que eu poderia fazer diante da força incontrolável da natureza? Sou parte dela. Tem vezes que não vou conseguir ajudar todo mundo mesmo que seja o maior desejo do meu coração despejar amor. Há amores que acontecem de uma maneira que as pessoas machucadas só conseguem encarar como maldade. Mas no meu coração eu sei o quanto de amor eu tenho. Como minha amiga Isabelle me ensina sempre, apenas deixa ir. Ela sempre quis abraçar o mundo inteiro, ela é uma mulher que amaria as pessoas em fila, mas a vida real não espera isso. Não adianta ter opinião, apenas deixar ir.

Eu encontrei no Japão, no escritor Haruki Murakami, esse par que me completou um pouco. Falo com ele através dos livros e dos sonhos. Estou no meio da leitura do livro Dance Dance Dance, que é uma continuação do livro Caçando Carneiros. Em todo livro dele existe um toque de solidão e confusão com os personagens com as quais eu me identifico demais. Ele descreve a estranheza que todo mundo gostaria de esconder. E ele demonstra como cedo ou tarde todo mundo acaba tendo que encarar o seu Homem-Carneiro pessoal. Sobre isso, leiam os livros. É divertido demais.

Os personagens se envolvem com pessoas casadas, prostitutas, garotas velhas ou jovens, ele não deixa de descrever que por trás de todas as camadas de normalidade que tentamos transparecer existe uma personalidade fortemente humana. Ele fala abertamente dos desejos mais absurdos que as nossas regras não conseguem controlar, e que tanto tem nos causado sofrimento. E a melhor característica, ele não julga. Ele não diz se está certo ou errado.

Quando a Aomame de 1Q84 decide sair com sua amiga policial para transarem com vários homens em orgias, elas o fazem porque sentem vontade, e não existe julgamento da parte do Murakami, porque ele está apenas descrevendo o desejo das meninas para isso acontecer.

Quando Sumire de Minha Querida Sputnik muda completamente sua forma de viver e some num mundo paralelo porque quer buscar o amor da sua vida, uma mulher, ele também está apenas descrevendo o desejo dela.

Eu não costumo ter muitos desejos, preciso confessar. Eu fui aprendendo a apenas observar a vida. Entretanto eu vejo que existem muitas pessoas que querem encerrar suas coisas numa definição ou opinião, com tanta rapidez, que acaba sofrendo demais com isso.

No livro autobiográfico do Murakami chamado Romancista como Vocação, em um dos capítulos ele diz que o trabalho de um escritor exige uma lentidão que o mundo normal não está disposto a ter. Ele considera o escritor uma pessoa de raciocínio extremamente lento, porque escritores não deveriam concluir as coisas tão rapidamente.

Por que opinar tão rapidamente sobre tudo e já dizer que isso é isso e aquilo é aquilo? Com qual critério estamos julgando e opinando sobre o mundo? Apenas nas emoções distorcidas de situações que só vivemos com uma única perspectiva? Ele, Murakami, diz que muitas vezes sequer conclui alguma coisa, por isso as pessoas o chamam de escritor falsário. E ele está muita tranquilo, não é por essa razão que vai deixar de escrever e se expressar.

Colocam o sentimento dentro de uma caixa,  forçosamente, com tanta violência, e negamos que isso nos dói. Queremos parecer desesperadamente seguidores das regras acima de qualquer coisa, acima da nossa própria verdade humana. A do amor e dos sentimentos e emoções. Por isso não gosto de opiniões. Se a coisa não funcionou, o que eu posso fazer? Não sou eu quem vai mudar a vontade do mundo. E como diz minha amiga Isabelle La Fleur, deixa ir.

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