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Crônicas do Não Saber 4 - Isac Asimov - Fundação 2020

Uma das minhas histórias favoritas nos livros que li é Fundação, de Isac Asimov. Ganhei o primeiro livro de um amigo meu, mas por puro preconceito com a ficção científica, abandonei na minha estante por meses. Um dia decidi dar uma chance, depois de ler tantas vezes a respeito da obra. Eu acreditava que Isac Asimov se tratava de uma literatura de ficção fácil, até mesmo infantil, por causa do cenário envolvendo a própria ficção científica. Com o passar dos anos passei a enxergar a literatura de ficção como um entretenimento, mesmo aquela que se pretende ser clássica e explorar as reflexões e ideias mais refinadas das ciências, ainda não deixa de ser um entretenimento. Como por exemplo, um filme como Jogos Vorazes que explora a ideia do Darwinismo Social, não precisa necessariamente explorar com detalhes a origem sociológica do termo, nem mesmo os estudiosos que a cunharam, e nem mesmo os outros estudiodos que a combateram, e toda a discussão científica por trás da definição que iluminou a curiosidade acerca de muitos comportamentos de grupo. Mas nesse intuito da literatura de ficção existe uma dualidade extremamente perigosa, no meu entender.
Não sou cientista e estou muito longe disso, mais longe do que qualquer pessoa possa imaginar. Não tenho a capacidade lógica, nem mesmo intuitiva, e nem mesmo a criatividade, e muito menos ainda o conhecimento metodológico para me dizer um cientista. Aliás, eu tomar para mim esse título seria de um desrespeito imenso com quem vive disso. Entretanto, a ciência não é para mim uma área cinzenta e obscura, inatingível. Existem artigos mais complexos do que outros, e a essa complexidade eu justifico muito mais a minha falta de familiaridade com os estudos do que um possível diletantismo do ramo. Deixo essa questão para os verdadeiros cientistas que conseguem, com seu olhar apurado, idenfiticar as falsidades. Porém não sou um ignorante, e consigo identificar ao menos o que pode ser considerado ciência, que são as ideias investigativas. A ciência, a meu entender, não é impositiva, pelo contrário, é humilde, e se acerca muito mais de propostas de explicações do que verdades absolutas. Uma verdade científica só se torna verdade quando todas as alternativas foram exaustivamente exploradas até se chegar a um consenso, e eu ainda enxergo, mesmo nesse caso, uma humilde desconfiança de se aceitarem verdades inquestionáveis, pessoas que tentam procurar uma brecha, mínima que seja, para que a verdade se torne cada vez mais transparente. Vejo na ciência um profundo amor pela humanidade, diferente do que muitas pessoas tendem a pensar, de que os cientistas são seres frios e calculistas. Eles são sim, frios e calculistas, mas com o seu objeto de estudo. A partir de suas conclusões, o que está por trás de sua defesa apaixonada por suas ideias não é a necessidade egocêntrica e auto indulgente. Noto sim um grande amor pelos seres humanos, uma missão quase heróica com a intenção de nos proteger do obscurantismo.

No livro Fundação, Isac Asimov trabalha com o temor de, o que aconteceria se a humanidade caísse na desgraça do obscurantismo de conhecimento novamente? Quanto tempo demoraríamos para resgatar a nossa dourada civilização, se é que poderíamos resgatar? A enciclopédia galáctica simboliza o temor de Asimov no caso de perdermos o pouco que sabemos sobre este mundo e universo, e o pouco que utilizamos para manter a nossa vida nos moldes confortáveis que atingimos, embora haja ainda muito a se fazer, pois acredito que todos nós almejamos a utopia de que nossos irmãos de espécie vivam em igual condição de conforto e acessibilidade. É um eterno paradoxo. Se pudessemos, todos nós teríamos o nosso próprio conforto, mas existem pessoas que se recusam a enxergar para além da embriaguez do poder.

Temo dizer que Asimov estava certo, e que estamos sim, vendo já alguns vestígios do colapso do conhecimento humano. Na nossa arrogância, na nossa tendência de pensar que atingimos o ápice, ou estamos rumo a ele, estamos destruindo nossa própria civilização. Eu não saberia dizer se iremos desaparecer completamente deste planeta, mas há uma grande probabilidade de que deixemos de ser a espécie dominante. Talvez seja a vez dos insetos, ou dos vírus. Não saberia dizer. O futuro parece guardar uma amarga realidade para aqueles que permanecerem. Por que digo tudo isso?

Comprei uma edição de Paraíso Perdido, do John Milton, da editora Martin Claret. No prefácio de um rapaz formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, Fabiano Seixas Fernandes, ele começa:

"Em 2015 foi publicada no Brasil a tradução de The Western Lit Survival Kit, de Sandra Newman. Literalmente, o título se traduz por Kit de sobrevivência da literatura ocidental sem as partes chatas. Segundo Newman, o poeta inglês John Milton e sua celestial Paradise Lost estariam fora da seleção, pois Milton não é 'divertido'.  Independentemente do que possamos pensar desse tipo de abordagem, o fato é que a obra-prima do poeta inglês - por razões, digamos, sintáticas, temáticas, doutrinárias e enciclopédicas - pode ser considerada, sim, uma leitura pesada para alguns, penosa para outros."

Eu não sou contra o entretenimento. E também eu não sou contra as manifestaões culturais populares, que já tem a sua marca na arte contemporânea. Eu estimulo e defendo que as pessoas precisam, e devem, aprender a se expressarem artisticamente. Porém não consigo deixar de lamentar a tragédia que é esse compilado da autora Sandra Newman. A começar pelo título, abreviando Literature por Lit, uma tendência da juventude norte-americana de abreviar palavras, algo que é tão criticado por linguístas e estudiosos do país. Trata-se de uma gíria, "it's fab(ulous)", "it's awes(ome)", entre outros. Parte disso decorre das mídias sociais, e até aí tudo bem. O maior problema é o caráter impositivo dessa forma de comunicação nos outros meios sociais, e a falta de personalidade do próprio conhecimento científico, a fim de angariar a atenção dessa juventude tão pouco envolvida. Agora o pior de tudo é a constante necessidade social de estar imersa numa bolha de diversão e entretenimento. Ao que parece, estar constantemente concentrado em algum tipo de trabalho não é saudável. Durante anos foi impregnado na cabeça das pessoas a necessidade e importância de relaxar, de aproveitar o momento (seja lá o que isso quer dizer), aproveitar o dia, a vida, em oposição a qualquer ideia de esforço físico, intelectual, emocional. Criando uma dicotomia falsa de que o trabalho não pode ser algo prazeroso. E com trabalho, não me refiro aos meios de produção obrigatórios impostos pela sociedade capitalista, mas sim o trabalho que é originado de um fruto de necessidade imediata, a solução de um problema, o trabalho criativo e intelectual, que ano após ano foi castrado do homem comum, e entregue nas mãos de uma casta social que faz dele um instrumento de diferenciação de capacitação.

Vemos um discurso insistente de que precisamos estar sempre conectados, envolvidos, participativos, ativos, alinhados, ligados, adotando posturas, mentalidades, ideologias, crenças, tudo em prol da utopia social. Até mesmo jargões que as pessoas adotam sem sequer questionar a origem ou a validade, como por exemplo os jargões que envolvem as identificações de gêneros sexuais. Eu não posso me opor ao uso desses jargões sem que eu seja acusado de homofóbico, sendo que o problema maior para mim está no enclausuramente do comportamento por causa de uma terminologia, e não no comportamento em si. Mas para quem está desesperado por fazer parte da atividade social, parece complicado, e até mesmo exaustivo de se explicar.

Chegamos ao absurdo do revisionismo nas mitologias greco-romanas, em que acusam de machistas, misóginas, pedófilas, e que estas histórias devem ser contadas de um ponto de vista em que haja reparação de danos pela cultura. Na visão de muitas pessoas, falar sobre as coisas que nos levaram ao problema é como reviver o problema, elas querem recontar a história para o molde que mais lhes é confortável, o que é abominável, covarde, mesquinho e infantil. Chegamos ao ponto em que as pessoas seriam capazes de proibir a circulação do Mein Kampf, por exemplo, apenas para tornar esquecível a figura de um personagem como Hitler. Talvez Hitler fosse o próprio Mulo, da fundação. Uma figura atarracada, hedionda, que simplesmente decidiu conquistar a galáxia para seu bel prazer, atrapalhando a meta da humanidade de finalizar enciclopédia galáctica, item que aliás é mais uma justificativa frágil do que o verdadeiro objetivo do personagem central da história.

Hoje em dia começo a questionar se as coisas que eu sei são realmente uma versão próxima daquilo que se pretendeu no momento em que foram originadas. 

O que vai arruinar a civilização não é um ditador, não é uma guerra, ou uma bomba nuclear, mas a recusa infantil das pessoas de aceitar a possibilidade destas coisas acontecerem, enquanto se inundam com entrenimento barato, com a resistência em amadurecer, com a aceitação do comportamento adulto infantilizado. É vergonhoso demais quando eu vejo um adulto de mais de trinta anos defendendo apaixonadamente seu gosto por super heróis. Eu separo aquele adulto artista que tem a consciência de que falar de super heróis é o seu ganha pão, e que ele está adaptando sua comunicação para falar diretamente com crianças, daquele que age como uma criança porque teme entender o fato de que super heróis não existem, são apenas um instrumento emocional para lidar com nossas frustraçõs do dia a dia.

Não tem como abordar esse tema sem parecer extremamente elitista, ou até mesmo conservador, mas o anarquismo é, até certo ponto, um comportamente degradante e extremamente nfantilizado. O anarquismo não se aplica a todas as circunstâncias quando pretendemos harmonizar as relações com a sociedade, porque eu vejo no anarquismo a negação de tudo aquilo que deveria ser controlável. Sou desconfiado com qualquer ideia que seja romântica de forma exagerada.

A ascenção de temas da ficção científica, que tanto fascina as pessoas hoje, mesmo elas sequer se preocupando com o fato de que não são ideias originais, mas a releitura de questionamentos de autores geniais do século 19 e 20, é um reflexo do absurdo em que chegamos. Vivemos numa era realmente kafkaesca para o conhecimento humano. Eu começo a compreender porque muitos autores, mesmo os mais sérios, tendem para o absurdo em suas obras. Afinal, só a hipérbole imaginativa para conseguir atrair a atenção de uma geração que só quer se comunicar aos gritos, e se recusa a ouvir a voz da razão.

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