Pular para o conteúdo principal

Depressão - Digressão 8

Entre os anos de 2007 e 2009 estive morando em Campinas, trabalhando para duas empresas, IBM e BT, respectivamente. Campinas é uma cidade que fica a 100 km da capital paulista, São Paulo, e considerando o raio de distância tão curto, é curioso saber o quanto as pessoas diferem de local para local. O meio em que vivi me ofereceu relações sociais e perspectivas bem diferentes das que eu estava acostumado.

As pessoas do meu bairro eram mais pragmáticas, menos propensas aos romantismos e aos desejos idealistas. Elas eram mais duras, brutas, num sentido de que, se fossem minérios, elas não seriam polidas para tornarem-se jóias e ornamentos. Seriam combustível mesmo, diretamente. Em Campinas conheci diversos ornamentos. Dentre elas, nome fictício, estava uma Sara de Almeida.

Aqui eu quero fazer um parenteses sobre relacionamentos. Quando temos um problema de estima, tendemos a tolerar o mínimo como máximo, e tendemos a viver uma vida sob a sombra de uma luz que não ilumina nada de verdade. A sombra é escura, e mesmo no dia, não nos permite ver que não estamos em uma campina verdejante e florida do patamar da vida, mas sim num entediante e verdejante jardim completamente artificial. Fim do parenteses.

Não foram raras as vezes em que tentei conversar com a Sara de Almeida sobre assuntos que pudessem aprofundar e trazer um pouco de luz a respeito do que me intrigava mais, que era a própria relação entre as pessoas. Eu sempre tentei me relacionar, no mais amplo sentido da palavra, procurando encontrar as frestas que se encaixariam com as rusgas da personalidade alheia, mas parecia que eu não tinha frestas ou rusgas. Eu me sentia tristemente liso. A Sara de Almeida fazia contornos confusos sobre os assuntos, e conforme eu perguntava as coisas, os contornos tornavam-se mais e mais confusos. Se não temos um sobreaviso intelectual, podemos admitir que estamos entrando num labirinto mental, mas olhando de fora, depois de tanto tempo, era na verdade uma espiral infinita.

É exaustivo pensar o quanto de pessoas que dão voltas e mais voltas sobre as coisas apenas para parecer que as coisas são mais complicadas do que realmente são. Essa atitude parece ser ainda pior se a pessoa se auto diagnostica com depressão. Ela passa a ser evasiva, distante, propositalmente distante, e não parece ter lógica nas mensagens. É como se nenhuma causa encontrasse nenhuma consequência de nada, apenas para despertar a admiração dos desavisados.

É puro e simples: a mente humana não é tão complexa quanto ela gostaria de ser. É pura ação e reação. Talvez o funcionamento químico e biológico do cérebro seja complexo, mas o funcionamento psicológico não é. Ele é só isso, reação ao que um dia foi ação. Uma pessoa te trata com desdém, você passa a tratar a todos com desdém. Uma pessoa te superprotege, você passa a não saber fazer nada sozinho. Uma pessoa é agressiva, você cria uma bolha em volta de si em que não deixa ninguém entrar. A ilusão de complexidade é nada mais do que a tentativa das pessoas de não se fazer entender, para justificar seus comportamentos doentios. E é isso, entediante, puro e simples assim.

Como já vi escrito por aí em algum lugar, que ter depressão ou ser triste não te torna especial, te torna apenas depressivo ou triste. Não existe a ilusão do especial. No fim das contas somos apenas um bando de macacos que usam sapatos e não comem as próprias fezes.

A ilusão do ser humano especial o coloca numa posição onde ninguém o alcançaria, segundo ele, nem mesmo um terapeuta, que seria talvez a única pessoa capaz de trazê-lo de volta à realidade. É apenas uma doença do engrandecimento de si mesmo, mas de uma forma em que a pessoa acredita que é realmente um labirinto obscuro, confuso e tortuoso. É a ilusão mais narcisista que pode existir num momento em que a sociedade nos explora com a propaganda da felicidade suprema. Eu diria aos iludidos com suas próprias questões pessoais que seria melhor que se tratassem mesmo, pois a ilusão de que seus problemas são incompreensíveis por outras pessoas é uma armadilha e uma auto sabotagem; é convencer a si mesmo, arrogantemente, de que sua condição está muito além da capacidade de qualquer tratamento, o que pode não ser uma verdade em muitos casos.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.