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Gordofobia é a acusação do frágil infantil

A luta por direitos e contra preconceitos transformou as pessoas em uma sociedade frágil, cega, infantil e manipulada. 

A sociedade humana é parte do processo evolutivo da natureza, e não indissociável dela, e como espécie parte do ecossistema (embora haja um esforço muito grande de muita gente para pensar que não), nossa tarefa biológica é tentar nos adaptar. Mas como seres sociáveis, nossa adaptação não é meramente de habitat, mas também de coexistência. Firmamos como grupo um ideal de cultura, e partir desse, moldamos os nossos herdeiros para o futuro. Porém, o idealismo cultural nos leva ao embate, ora inevitável, cuja razão está pautada unicamente no estereótipo. Essa seria uma explicação mais juvenil para o preconceito.

Entretanto, há formas de preconceito que eu não consigo encarar como tal. Basta você colocar "fobia" em qualquer coisa e pronto, você tem uma nova forma de criminalizar o comportamento humano. Uma das coisas mais patéticas que eu posso encontrar é a gordofobia. É honestamente uma acusação completamente infantil.

Até onde me lembro, pessoas gordas não foram presas em campos de concentração. Não existe um recorde de encarceramento de pessoas gordas. Não existe uma pesquisa que confirma que pessoas gordas recebem salários menores do que pessoas magras (se elas forem mulheres gordas, é bem provável que sim). Não vejo pessoas gordas como a causa da balança da desigualdade social. E quando eu me lembro que pouco mais de 2 mil pessoas possuem quase 60% da renda mundial em suas mãos, eu começo a acreditar que quando alguém acusa alguém de gordofobia, essa pessoa não parece ter entendido de verdade qual é o problema. Sem contar em destruição ambiental, superpopulação, ressurgimento de grupos extremistas, cerceamento das liberdades individuais, precarização do emprego, uma incompetência das sociedades em ajudar as pessoas nos processo de transição tecnológico, jogando milhares de pessoas na fome, miséria, desemprego, desespero, depressão, suicídio... mas ok, você é gordo, você come mais do que deveria e não consegue ir na padaria da esquina se não for dentro de um carro. E não, a sua tireoide não é o motivo disso.

Meu problema não é com a pessoa gorda apenas, mas com a discussão completamente tergiversada. A pessoa gorda tem o seu direito de exigir ser aceita pela sociedade, a despeito do padrão de beleza instaurado por seja lá quem for e por sabe-se lá qual época. Mas a pessoa gorda não pode forçar a sociedade a se sentir atraída por ela unicamente porque ela pensa que obesidade é um problema unicamente estético. Isso é superficial, é a parte fútil do problema. A questão da obesidade se envolve muito mais fortemente com a questão de saúde.

Sim, existe, sem dúvida nenhuma, a pressão social em ter pessoas que se enquadrem em um padrão de beleza. E este padrão é o motor principal de diversas indústrias que empregam milhões de pessoas no mundo inteiro, cujo resultado e vitrine são os próprios modelos de beleza que muitas pessoas almejam alcançar. Dentre as indústrias, temos empresas que trabalham em campos diversos. A mesma empresa que produz um cosmético ou um milk shake de emagrecimento pode ser também uma empresa que fabrica remédios para combater problemas cardíacos. Uma mão alimenta a outra, ironicamente. E não só de problemas cardíacos que vivem estas empresas (viu o que eu fiz?), mas da fabricação de remédios para ansiedade, depressão e síndromes de diversos nomes diferentes, que estão associadas ao único fato de que uma pessoa deve ou não ser gorda. Então qual é a questão que deveríamos discutir? A atração física ou os outros problemas mais importantes?

Obesidade também é uma questão de educação. A educação física, acreditem ou não, não deveria ser um professor atirando uma bola na quadra para distrair os alunos, e, surpreendentemente, os professores de educação física não fazem isso. Quando a aula envolve a teoria do funcionamento do corpo, fortemente associada à biologia, e em quais exercícios devemos nos focar para manter um funcionamento regular dos nossos sistemas, este é o ponto importante da educação física, ao invés do foco em descobrir o futuro artilheiro da seleção que vai brilhar na Rede Globo. Talvez seja uma surpresa para as pessoas que desrespeitam estes profissionais que tentam trazer para o debate os hábitos de alimentação dos alunos, além do excesso de sedentarismo que acomete famílias inteiras que acreditam que passar a noite na frente da TV e dos seus celulares, é uma forma de entretenimento. Atividades físicas também estimulam a vida social o que consequentemente diminuem problemas relacionados à depressão. Mas professores de educação física podem se identificar com histórias do tipo: não devem me dizer o que eu devo comer, eu como o que eu quiser. E falando em comer.

Podemos pensar numa outra indústria que se beneficia com obesidade (ou a falta dela) que é a indústria alimentícia. Seja pela dieta mal feita ou uma dieta controlada, as empresas tem suas mãos em todas as partes quando ditam o que devemos ou não comer. Alimentos processados ou vindos da terra (terra essa cheia de agrotóxicos, por sinal) são causas de centenas de problemas de saúde recentes. Será que ninguém se apavora com o fato de tantas pessoas desenvolvendo cânceres estarem relacionado com os nossos hábitos alimentares? Bem, eu não tanto, eu não dou a mínima, mas os números estão aí. E quando alguém levanta uma discussão sobre um uso menos predatório da terra, tratado talvez por pequenos grupos de agricultores, ou até mesmo plantadores locais, esses debates são abafados com acusações vazias. E falando em vazio.

Quando um obeso se queixa de que ele não é representado, acredito que a princípio ele deveria se questionar dos seus hábitos e de como estes hábitos também alimentam a indústria que o colocou nessa condição (viu? eu fiz de novo), antes de apontar para o problema estético. 

E falando sério, adultos que ainda não conseguiram a auto aceitação, que precisam constantemente da validação online de estranhos, por incapacidade de tratar da sua própria auto estima, eles não deveriam estar fazendo protestos, mas ao invés disso, terapia. Obesidade é sim um problema, e que afeta a sociedade inteira. Agora a gordofobia? É, acho que nem tanto. É esse o tipo de acusação que faz os seus opositores nadarem de braçada na corrida pela aceitação popular.

E pela primeira vez neste espaço visitado por moscas eu vou terminar com uma sugestão: Menos infantilidade e mais atenção nos problemas de verdade. Saia para fazer uma caminhada de vez em quando, aprenda a cozinhar, beba mais água, menos refrigerantes, coma mais frutas. Isso não vai te matar. Sua infantilidade sim, porque gordofobia só existe no mundo em que a sua mãe dizia que você é a criança mais linda da escola.

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