Pular para o conteúdo principal

Insistência

Assim como o aleijado aprende
A conviver sem o seu pé
Consegui entender os caminhos
Que exortam a minha fé

Mesmo sem o seu mestre, 
Descobre-se o aprendiz.
Aprendi também a viver
Sem o vício de ser feliz

Na leitosa abóbada do cosmos
Do ululo voo circulante
Entendi que para ser-se vivo
Vive-se em vacilo constante

Igual ao ganancioso ardil
Que a tudo rouba com a mão
Arranquei de dentro de mim
Os ócios vis do meu coração.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

Eurípedes

A moça de 26 anos busca a noite para ser de novo menina. O motorista de ônibus anseia pela última viagem. Salta o coração da faxineira sua canção favorita no rádio. O homem de negócios espera uma ligação importante. O professor olha, esperançoso, a letra cursiva do garoto. A enfermeira limpa com zelo, o corpo do paciente, prestes a se recuperar. A garçonete pode receber uma gorjeta. Todos , de alguma forma, porém, se encontram no caos do cruzamento central da cidade. Enquanto a felicidade não vem.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.