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A Cama

Eu adoro ouvir a música dos seus cabelos

Algo assim em Dó menor

O mais sensual dos acordes

Ela entoa o som que morre nas paredes

Amortecido pelos seus berros de amor


E toma a nota que serpenteia pelo cômodo

Caça os acidentes e extensões

E que sabor

Pimenta, manteiga, uma folha de manjericão

As curvas hostis do seu corpo inteiro

O teu corpo no espelho que te agride

Mas traz ele aqui

Traz que a gente descobre que é só rigidez da vontade de ser


Fica em pé aqui diante

Teus joelhos não vão arder enquanto cantarola

A passagem em um sub cinco de um sub cinco

Num ritmo de três por quatro

Valsa pura, jazz moderno, samba com repique de rock n' roll.


A terça roubada, do empréstimo dos modos

A tua canção molhada que fica na cabeça

A dança potente que enrola tua língua

A garganta forte de nota sustentada

Tudo por uma mera substituição


O preparo

Júbilo diminuto

Diabolus in musica

Uma terça empilhada na outra

E enfim, a espera do refrão


O repouso

Primeira menor com a sétima

A esquina

A conclusão 

Tua quebra de meio de música

Numa única progressão.


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Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

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