Pular para o conteúdo principal

Felipe Neto e a Literatura Brasileira, Júlio Cociello e o Racismo: A Jornada do Coitado

 O Youtuber, de modo geral, é a representação máxima daquilo que eu posso chamar de "o último prego no caixão da Educação Pública".

Nosso país nunca reconheceu a necessidade de se aplicar políticas educacionais eficientes, a começar pelo principal, que é responder a pergunta que todo aluno já fez a si mesmo ou aos professores: pra que eu preciso aprender isso na vida?

Eu vivo num país que é majoritariamente pobre, desorganizado e tem uma relação inescrupulosa, imoral e questionável com o dinheiro, o poder e a religião. E por mais que eu odeie o uso do termo, o topo da hierarquia, aqueles que estão nas esferas do poder, não se preocupam com a imagem que eles transmitem para as demais camadas sociais.

Os ricos e poderosos do Brasil não se restringem a esfregar na cara de todos os brasileiros a sua vida de luxos e pertencimentos. É um terreno fértil para o surgimento de mitos e ilusões. Ilusões tais como a ilusão da riqueza, do dinheiro, do ter poder de compra e consumo. Ilusão que busca sempre estar atrás de alternativas até mesmo mentirosas e inescrupulosas para conquistar essa ascensão. 

Não me espanta a existência de figuras como os Youtubers. Salvo raríssimas exceções, estas pessoas querem produzir qualquer tipo de conteúdo que chame a atenção para si, mesmo que essa atenção dê espaço para discussões que causarão grandes danos no imaginário das pessoas. Por isso temos um Felipe Neto questionando a necessidade de lermos clássicos da literatura brasileira, tais como Machado de Assis. Numa tentativa de demonstrar empatia e compreensão com a dificuldade dos alunos de acompanhar uma narrativa que exige certa maturidade emocional, o Felipe Neto coloca em discussão um tema importante, porém, completamente errado. Ele não deveria questionar a necessidade de se ler um autor tão importante para a cultura nacional. Veja que não estou falando da obrigatoriedade de se gostar de Machado de Assis. Eu, por exemplo, detesto José de Alencar, Castro Alves, Joaquim Manuel de Macedo e toda essa escória burguesa da época romântica no Brasil. Tenho meus motivos pra isso, mas não é o foco do meu texto. Porém, eu entendo a necessidade de tomar conhecimento desse conteúdo justamente para formar a minha própria opinião: a de que aquela leitura não refletia em nada a realidade do Brasil, na época, e para mim, torna-se mais uma evidência do quanto as elites sempre fazem um esforço para perdurarem de forma auto sustentável, e deixar as pessoas mais pobres relegadas à marginalidade.

Júnior Cociello é um rapaz que cresceu em Osasco e ficou conhecido, num passado recente, por suas piadas de cunho racistas no Twitter e no Youtube. Ah Umberto Eco, quando você falou sobre a legião de idiotas na Carta Capital, quanta gente te agrediu, e como eu tinha te entendido. 

Acho que o Cociello é um desses idiotas do senso comum que ainda não entendeu que racismo não é piada, mesmo se ele, talvez, se reconheça como negro e esteja fazendo piada consigo mesmo. Se for o caso, não é assim que se resolve o problema. Mas ele é um garoto que cresceu sendo o "engraçadão do rolê", decidiu pôr as próprias gracinhas no YouTube, e tem gente pra bater palma, e chamar o cara de foda com a narrativa de que o cara veio da periferia e conseguiu vencer na vida. 

Aqui no Brasil a gente alimenta demais essa Jornada do Coitadinho. Da pessoa que veio das piores dificuldades da vida e conseguiu chegar onde chegou. Essa  maldita narrativa que alimenta a meritocracia, e impede que a gente discuta políticas eficientes e verdadeiras de ascensão social, que é totalmente diferente de 'ser rico pra caramba'. 

É o mesmo caso do Whinderson ou da Pablo Vittar. São pessoas que produzem péssimo conteúdo, mas ficam acima da crítica porque criticá-los é como criticar de onde eles vieram ou quem eles são. Não, eu não gosto do Whinderson porque ele é extremamente sem graça, e da Pablo Vittar porque a música dela é péssima. Mas para o brasileiro médio, eu não gostar do Whinderson é eu não gostar de nordestinos, e eu não gostar da Pablo Vittar é não gostar de transexuais. A falta de objetividade é sufocante, mas ao mesmo tempo me permite ter mais motivos para não gostar de conversar com ninguém.

Essas pessoas que ascenderam dessa forma se sentem autorizadas a agir da forma como quiserem, e usar a narrativa da sua difícil jornada à ascensão para justificar seus comportamentos imbecis. Mas nossa hipocrisia e desespero para fazer reparos dos danos do preconceito é muito maior do que a nossa capacidade de senso crítico.

É por nossa empatia pelos coitadinhos, pela nossa forma de embalá-los e iludi-los com um humilhação disfarçada de benevolência (Luciano Huck, Silvio Santos, Eliana) que permanecemos não discutindo o problema real do país, não entendemos a realidade da nossa sociedade como ela realmente é: somos extremamente dependentes do abuso social e nos incomodamos quando alguém aponta o dedo pra ele. Isso talvez explique porque tanta gente questiona a necessidade de leis que criminalizam o comportamento violento e abusivo que nós temos desde muito cedo. Nossa nação é uma série de erros e permanece orgulhosa de suas próprias falhas. Só um verdadeiro imbecil sente orgulho da própria imbecilidade.

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.