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Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade

O catador para diante da margem do rio

É um rio largo, escuro, mal cheiroso

Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora:

- Esse rio é tipo um abismo.


Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador.

A engenharia é uma piada tecnicista

Tem uma TV quebrada

Num celular, uma antena de carro, só por ironia

Um CD de um grupo de Axé que já acabou

- o resto de uma alegria do passado -

Uma boneca vestida com roupa de mecânico

Restos de móveis

Restos de roupas

Restos de memórias fragmentadas.


Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora:

- Esse rio aí, é um imenso abismo.

Todo dia é a mesma coisa.


Do outro lado da margem do mitológico rio: 

A vista bucólica de um jardim bem cuidado

Casas em seu devido lugar

Pessoas em seus devidos lugares

É tudo como se fosse um sonho.


Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora

- Um dia atravesso o rio.

O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

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