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Mostrando postagens de janeiro, 2025

Carta a Quem Não Soube Ficar

Por Estevão Bruno Steiner Nem toda partida é um fracasso. Às vezes, é só o modo como o tempo nos protege de um naufrágio maior. Demorei para entender isso. Demorei para aceitar que o silêncio também pode ser uma resposta. Que não te ter ao meu lado hoje… é, no fundo, uma forma sagrada de cuidado. No início, doeu como ferida exposta. Achei que o amor tinha sido desperdiçado, que os gestos não ditos se perderiam sem testemunha. Mas hoje vejo: nada foi em vão. Nem mesmo tua ausência. Ficaram as memórias — e com o tempo, elas aprenderam a caminhar sem doer tanto. Eu queria que soubesse que te perdoo. Não por tua ausência em si, mas pelas promessas que não soube sustentar, pela forma como se despediu antes mesmo de ir embora. Te perdoo porque também já parti de lugares onde não sabia como permanecer. Te perdoo porque sei que o medo nos transforma em fugitivos, e às vezes o amor assusta mais que a solidão. Teu nome ainda existe em mim, mas não com rancor. Hoje ele mora...

A Ponte

Todas as noites em que eu sonhava, não importava o tema ou as imagens, estava presente uma ponte que flutuava bem alto lá no céu. Não era uma ponte comum, em que era vista de baixo para cima, ela realmente estava flutuando no céu, cortando toda a dimensão do horizonte até onde eu pudesse ver, de leste a oeste, e não se conseguia ver o começo, ou o fim, por mais que eu fizesse um esforço, ou caminhasse por dez dias inteiros, ou pegasse uma carona com algum estranho, essa ponte não me permitiria saber o que se encontrava em suas extremidades. Se eu sonhava que estava na minha sala de aula, lembrando das pessoas que fizeram parte da minha infância, ao sair da escola, eu notava cortando o céu azul aquela imensa ponte, em que as extremidades se perdiam em um caminho interminável. As risadas dos meus colegas indo em grupos ou em duplas para suas casas me despertavam um misto de alegria e isolamento. Quando eu sonhava que estava andando sobre a areia da praia, ouvindo o som da espuma molhando...

O Homem de Areia

Acordo tossindo, no meio da rua, engasgado com meu próprio sangue. Uma saliva vermelha escorre pela minha boca e mancha as minhas roupas, enquanto tento buscar o ar que me falta. Minha vista turva sintoniza gradualmente o mundo ao meu redor. A tela da realidade toma forma e aos poucos onde me encontro. Estou cercado por uma pequena multidão, todos eles absorvidos pelas suas tarefas do dia a dia. Um casal de idosos, indiferente ao resto do mundo, discute as contas da casa. Um homem corpulento e desengonçado procura freneticamente os resultados dos esportes da semana. As crianças correm pela casa, ignoram os meus apelos, até mesmo quando se aquietam para assistir TV ou os intermináveis vídeos do celular. Várias moças fazendo suas unhas e comentando sobre o calor quase insuportável do dia. Um casal dança sensualmente atrás de uma árvore, aproveitando-se da pobre luz. Os senhores no bar jogam cartas e contam suas histórias como moeda de troca. Um bêbado cambaleia e parece ser o único genui...