Algumas pessoas tem um jeito tão belo de recontar a própria história, que eu decidi também recontar uma história de uma fugitiva que se vê como heroína. Aqui vai. Estava eu um dia em uma NAU, sério, eu realmente estive em uma NAU, não um barco, não um navio, mas uma NAU. Eu de repente virei o Maurício de Nassau, o Gigante Holandês, e saí colonizando tudo, até mesmo a minha insegurança, mesquinharia, avareza e infâmia. Porque se tem algo que eu realmente prezo nessa vida, é a minha necessidade doentia de parecer virtuoso para todo mundo que me conhece. Então aqui vai:
Tua nau, tão nobre, tão tua, que sorte!
Ergueu-se ilesa das marés. Imaginárias!
Leva contigo tuas âncoras de aporte.
Sopra teus ventos. Tuas falas ordinárias.
E eu, que nem marinheiro sou,
Quase que naufrago por distração.
Foi acidental, não me preparei.
Como um aleatório no mercado da alma,
Entre Desafetos e Demoras.
Nada dramático, apenas velho trauma.
Tuas palavras são tambores
numa guerra que travas sozinha.
Teus monstros têm meu nome
mas o roteiro da tua peça é escrita minha.
Narciso, inveja, ou infâmia. Adjetivos!
Como quem no espelho vê-se e faz rima.
Declamas fortaleza e liberdade,
Em cada sílaba a urgência de ser vista.
E estes não aplaudo, que tanto esforço fazem
Para que te caia alva túnica em vaidade
Para que se lembre o gosto
Cede ao teatro daquilo que busca na fonte
E é, foi só o instante
Mas que durou o tempo exato da verdade.
Pode ser das feiticeiras, grandiosas cobras!
Que ao mirar as máscaras, murcham-se em dobras
Tu, tão corajosa, que vives em clausura
Tu, tão livre, que vive em debandada.
E eu que disse, que disse, idiota:
Recolhe tua mão, não vale a pena!
Que meu silêncio é domicílio.
Que meu desdém é trincheira.
Eu não tentei ancorar, apenas passei,
Como a carreta que passa pela lixeira.
Mas se teu orgulho exige um vilão,
Que faça tua fantasia à vontade:
Sou o monstro de teus contos,
Mas não o autor da tua tempestade.
Sopra então, musa indignada,
Teus ventos do norte e teus versos aos céus -
mas lembra de quem vive de slogans
E raramente conhece o silêncio que requer.
Carrega esse teu doce exílio do teu mérito
Das histórias que não teve a coragem de viver
Acena essa tua bandeira da virtude
Para a hipócrita que é e finge não ser.
Ergue a ti altares no teu delírio espetáculo
Que ninguém paga, nem pede, nem pergunta
Este livro que escreves não mais que um opúsculo.
De quem sente ainda apreço a uma defunta.
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