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Morfina

Nesta vida Cheia de agitações tardias, Conformo-me com a frieza dos dias Onde sinto na alma o sumo açoite De entregue ao corpo estranho pela noite. E assim mesmo, sacudida, não me ama E não me vê, não me olha, não me chama Mas deste prêmio corpo eu divido a cama E se a alma esfria, o lábio tenso inflama. E engano-me com o canto colibri de flautas Quando há mesmo o som de um murmúrio em praça incauta E envergonho-me enquanto o choro sobressalta Por uma febre que temo e assusta, mas falta.

Porta Aberta

Saia de imediata prontidão Carregue o seu saco de pedras Pise por cima de minhas lágrimas Atravesse as alamedas mortas do jardim Feche o portão, feche a rua, feche a avenida Mas encontrará no fim da sua vida aqui minha porta aberta. Estarei deitada entre um soneto de perdição e outro Com uma rosa atravessada na mão e outra Copo de medida veneziana e outra Alucinação regurgitante e outra* Ácido na garganta e outra Minha porta aberta. Meu corpo Morto. E outro. E outra.

Alma Traça

Através das prateleiras de uma livraria Descobri em um volume, acho de Madalena Ousadas muito velhas escrituras de Maria Premiada fui então por ser digna de pena. Entre as páginas abertas, a página daquela Em cada uma que folheio outra me espanca Renasço todo dia sempre em forma de Flor Bela De pele reluzente, mas espírito que manca. Achei-me, muito vivas entre as letras corroendo De verniz, enxovalhada identidades às traças Levantei uma garrafa e aos convivas morrendo: - Pela honra deste amor, bebamos as nossas taças!

Um de Isabelle La Fleur

Isso é um caso trágico de vida inconsequente que resultou na minha mudança de cidade. Regado à insônia, vinho (bebida dos loucos pretensiosos), vodca, cigarros e a droga de uma recordação. Ah Letícia, por que me deixou? O seu olhar me olhava de um pra sempre que me deixava estática, segura. Amigas para sempre! Por que foi embora, hein? Hein? Seu cheiro. Tenho saudades do seu cheiro, aquele seu cheiro me lembrava depois de amanhã, que ninguém tem coragem. Eu olhando essa cidade toda amena me lembra você. Um homem cego apoiado em sua vara foi chegando e sentou ao meu lado, de barba e tudo, com a calça jeans amarela batida. Tocou-me a perna na perna. - Escuta mocinha? - como sabe que sou mulher só me pegando na mão? Não saberia dizer de olhos fechados se era a mão da Letícia ou do Rodrigo. Ele nem se conforma, mas amantes são assim mesmo Rodrigo. Não se contenta, se desespera. Olha-me com calmo, olhos cínicos, mentirosos, mas por dentro está em estado de guerra civil, des

Poema de Pedra

No fim Lá atrás, entre a colheita mal feita e o vinho maltrapilho, Construí uma igrejinha de pedra, de São Bananais, Santo meu, criado meu. Jesus Cristinho derrubou as taças, os pratos, as pratas. Na igreja de São Bananais. Cavei com as unhas na pedra o nome do Nosso Senhor. A pedra voltou-se a mim amarela, empoeirada desfalecendo. Fica agora, cai ou não cai. Morre ou não morre. E o morre desmorre da vida desvida que não vai. Nem vem. Nem vai. Entre o vinho maltrapilho, escolhido no mercado, atrás do balcão de carnes e frios. Não tem imagem de São Bananais. Jesus Cristo tomou-me as mãos e salvou-me por enquanto. Mas enquanto eu derramava o vinho, a mão escorrega. Embriagado morre. Escorrega vive. Vai, não vai. Colhi da escolha de Não Bananais. Não, pedra. Sem fumaça de algodão doce cheirando na alma. Não, pedra. A mulher, madura, cheirando a carne mordendo a cruz. Não, pedra. O travesseiro frio, a luz, a luz, a luz... Não, pedra. A boca rosada, cor de curiosidade, lambendo a palma. Lam

Boca

Desce o decote e o suor vivo do teu peito A ânsia amarga cobre a língua do meu leito Mechas vivas meneantes cambaleiam Braços fortes como farinha esperneiam. Boca, vil e doce. Diz palavras da inatingível distância De mãos dadas subimos sete degraus Descemos rolando três E paramos no parapeito do apartamento. Bateu a porta Entrei pela direita Jogou-me suas bonecas de diversas facetas Rodávamos felizes, palavras, caretas. E a sua boca. Entreabertas linhas curvilíneas Baba escorre pelas beiras As carnes quentes laterais Líquido aos conteúdos viscerais. Boca, Dela que dá origem à vida E daí então até à morte Ter-te comigo é plena sorte Mechas vermelhas insanas Rodelas pratas carinhosas Cachos negros agressivos Réguas louras abusivas. Boca de gritos Boca de amor.

Como Se Fosse o Último Adeus

O ano era 2007. O ano de dois mil e sete. O pretenso, extenso, arrastado ano de dois mil e sete. Pareceu para mim aquele ano uma eterna tarde de sol, ou nas minhas próprias definições, um repleto tédio que estava longe de terminar. A poesia subjetiva está fortemente ligada às dores íntimas de quem escreve, mas entender o que está nas entrelinhas se eleva para uma compreensão de um momento que pode ser comum a todos. É interessante quando eu lanço meu olhar em meu próprio passado, e percebo que muito do que senti naquela época eu já sinto de uma forma diferente hoje, e pensar que evoluí em virtude de certo amadurecimento. O não saber do que ser, e ao mesmo tempo a vergonha de sentir uma dúvida tão pequena num mundo de problemas tão grandes. Ou o sufocamento que sentia por me envolver em relacionamentos sem futuro, com excesso de cobrança e pouco retorno emocional. Ao mesmo tempo vendo ser esmagada sem piedade a fantasia mais mentirosa que a idade adolescente cultiva: amizade. Melhor diz

Saudade

Meu coração não é meu Está em toda parte dos caminhos que andei. Cada um carrega um pouco do que é seu. E como parte do que foi despedaçado, aquele com meu zelo está guardado, Pois tudo o que vivi de cada é preservado. E há aqueles quem sem aviso me roubaram Sua parte ditatória vontade, Pra que causasse a dor que nos separam. Mas tal dor que se descreve em meu peito, É o amor que agora tem seu leito, Nas lembranças do pobre dilacerado.