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Mãe

Caiu uma tempestade em cima da casa Aquela casa pacífica Aquela casa branca, de ar leve. De repente tudo ficou pesado As portas bateram As janelas tremeram Cadeiras e mesas, sem equilíbrio, eram jogadas pelo ar Houve um estalido violento de vidro se partindo Como o som violento de uma alma se partindo Que risca e marca a mais profunda calma E atormenta a mais profunda mansidão As pessoas, surpreendidas, chocadas, tremiam O ar, pesado, ofegante E uma saudade melancólica dos primeiros dias Os primeiros passos E uma dor que só vivendo Aquele olhar forte, seguro, mais forte que a maior das loucuras Sai o filho sem fechar a porta e nem olhar pra trás Carregando dez mil quilos nos calcanhares O peso tamanho que a parede se enverga, e a porta se estrebucha. Logo antes, só permanece o calor Aquele olhar cansado e cheio de ternura Invisível. Vigilante. De mãe. - Leva um casaco, está frio lá fora.

Pedido de Casamento

Posição de príncipe campeão E postura de donzela intocável Inspiradora de cantos e cânticos Cujo perfume que exala Libera a imaginação Inspirador de Odes e Entoadas Cujas pessoas sempre se lembram E se sentem mal. Ele está pronto Nervosamente se ajoelha E ajoelhado prepara o pedido Pondera as palavras Pigarreia o tom de voz Muuuu, tilim tilim passa a abesana passa Meneia os chifres pra lá, meneia os chifres pra cá Pasto, pasto, pasto, ruminando pensamentos Enquanto um rastro de esterco se segue Invadindo o castelo encantado das fadas Horrorizadas pela repulsa as coitadinhas voam E tapando os narizes de horror, dizendo: - Que horror! Que horror! Que horror! Calmamente a vaca pasta, e passa Com a sabedoria mais pura do gado O homem, desconcertado se ergue, observa, pondera Limpa os joelhos e passa a refletir sobre a importância do meio ambiente.

Vulto na Neblina

Não é veia, nem vinho Não veio. Não é nada desperto, decerto. Vês a névoa que nos cerca? Esta névoa que nos arrebata às mentiras e desilusões? Pois bem, eu não Eu não vejo nada. Imagens: O que é então esse mundo miserável? Que torna irmão contra irmão E faz o justo ser levado a crer Que é crente contra o injustiçado? Onde não guarda rancor com quem inventa e quem faz sofrer Mas quem sofre como se fosse de provocação Estes famintos, estes enfermos e quase mortos Estes sedentos por direitos de viver e libertação Que carregam um ímpeto poderoso em seu peito Caídos, quase sempre, como escombros dispostos pelo chão. Colônias e mais colônias, colônias de todos os aspectos Para disfarçar o cheiro reto. A justiça do homem feito não é a justiça pela palavra Dinheiro, o senhor de todas as verdades. Creio em Deus, a verdade e os homens Creio em seu cetro Creio em seio lácteo, luminoso Tua borda enverga para o infinito Colônias Estás preso em uma colônia monumental

Poema para Doentes

Passeio, sempre, como um que comeu e bebeu poeira Calçada, mas a cabeça lá no céu No alto inalcançável Que erro grotesco e desumano! Os mastros estão todos vazios E as pessoas não fazem mais perguntas Estes são ventos novos, ventos frescos Se um pano vermelho ou verde tenta se erguer Derruba-se sob palavras violentas de doce libertação! Sonhar é um organismo defeituoso Numa era em que sonhos são possíveis Tanto quanto os abraços.

O Tumbeiro Fantasma

No século da glória de Pingala Percebe-se uma verdade atroz No sentindo e fazendo involuntário Ouça, constante como um sino de chegada Os sons de correntes se arrastando pelo chão E o tilinte dos grilhões atados em vossas mãos Um magote, falsamente ordenado E repleto de superstição O seu discurso ato é falho E sua voz que tanto clamas não é sua Mas veja tuas mãos, e esta fala Em constante oposição Há grilhões? Não! Há palavras postas em teu cérebro? Não sabe, não vês. A dúvida é o suporte da loucura Portanto duvidosa Portanto, verdade, distante, impossível. Um sol se põe, eu vejo O saber necessário, não sabemos. A luz me alcança Mas entre nós Um abismo de suposições e medos. Salta Grilhões se partem Morro?
Desperdício é a juventude que não sabe o poder que tem E tem como inimigos a própria incoerência da liberdade A própria falta de disposição de si E os excessos contra aquém Para provar a si mesmo Algo.

Flora

Uma luz límpida atravessou a janela Tocou-lhe o rosto com delicadeza Uma garoa que acaricia o jardim tão duramente cultivado O dia não te amanheceu hoje porém Como muitos não irão. Olha lá fora, esses olhos que acabaram de acordar E veja por si só, como haverá de ser Sem escolha, sem pedido: Túmulos e mais túmulos De histórias que não conhecemos, mas que valeriam um verso! Observe quantas rosas ali dormem Tranquilas e conformadas Como um mar solitário depois da tempestade. O cenho franze de tristeza, a vida ensina Mais ou mais do que a luz Que atravessa-lhe a janela E é quando tiramos o véu negro Aceitamos E saberemos quando olharmos para trás Nossa rosa também estará ali Um soluço preso na garganta não nos abandona Toda luz límpida cruza a janela que se deixa aberta O dia amanhecerá, porém.

Alberico

Como é cruel peneira da vida, A arte. Do que teu coração vivo e sensível Faz verdade Se todo aquele que lê, vê ou ouve O sino não toca Já não faz parte. Fica como as grandes cidades: Com lugares tantos pra visitar Mas quando um novo chega, a gente diz: Por que nunca antes estive neste lugar? É um ar novo, repouso pouco sedutor Amanhã vira limbo Ou reflexo de consciência. E quando o que lê, vê ou ouve Em teus lábios se repete Não sabe a quem atribui Não sabe se não te pertence Aquilo que não te compete. É um espaço vazio Como um cômodo de poucos móveis E muito som Xícara na mesa E o pouco que se pensa Tudo é saudade. A velhice não adiante Longe da eternidade.