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A Palavra

E tenho dito Palavras demais que enclausuram o ser Onde as coisas não deixam de ser as coisas Onde as coisas passam a ser uma coisa só Que eu desaprenda a falar Desaprenda o sentido das coisas Desaprenda a utilidade das coisas E me padeça no glamour da inutilidade O coração vende quando dá Não quero Quero mendigar, distribuir sem pudor Aquela coisa não programada Abaixo à recompensa! É anti natural, é insanidade Mas é assim mesmo Antes de tudo, é uma escolha Por que então dizer quando basta? O cheiro do café pronto O cheiro de vapor e sabonete do banho quente A cama ainda quente O sofá ainda quente O corpo quente Um olhar só porque você me viu Aquele olhar que diz: que bom que está aqui E estou em qualquer lugar Não num lugar especial, eu sei Todos os lugares viram especiais Percebemos a validade das coisas Desaprendemos a validade das coisas Ignoramos a validade das coisas Aquele andar pela casa, que salta o coração E você só estava indo pra cozinh

Protocolo de Reboot

Log do sistema: Buscando vestígio de anomalia... Processando cálculo de possível falha... Anomalia encontrada. Detectando localidade e iniciando protocolo de reboot.  Nossa época é cinza e oca, e ecoa, tanto, que os sons de alegria e de tristeza entrechocam e formam um único grande e bizarro lamento. Não existe mais espaço para o poético e belo, assim como não mais a nostalgia das músicas mais loucas do período Hard Rock dos anos 70. Ficamos presos e enlouquecidos nessa combustão filosófica, política e moral. Nessa transformação de eras. Nessa confusão de atitudes e sentimentos de amor, ódio,tristeza e alegria.  - Encontramos os dois, estão ali.  Estacionaram um carro preto sobre o meio fio do parque e apontaram armas de desintegração em nós. Minha nossa, eles usam isso pra escavar minas, para ir atrás do que resta de silício e cobre nesse mundo, e estavam apontando pra nós, como se fossemos o pior dos criminosos.  Quando muito o rosto dela era um rosto inexpressivo, olhos grandes e e

O Morcego

Todo dia Na hora em que o sol se põe Na calada da noite Bem cedo quando o raio bate Passava pelo corredor resignado E ouvia sempre a mesma voz: - Apague a luz ao sair. A teimosia obstinada deixava acesa Era um apreço pela esperança E voava para a vida. Certo dia, a luz, apagou. Aprendeu se ver no escuro Transformou-se e voou Hoje em dia, dizem os que quase notam: Mora no teto, dependurado Observa tudo no sentido contrário da normalidade Desejando lembrar-se a medida do homem de verdade.

Picadeiro

Cá está senhores O bilhete de entrada Deste circo de horrores O espetáculo está aberto Ali que jaz diante Não é um homem Homúnculo das dores O sangue ferve mas não sente Cadáver rastejante A filosofia da vida reticente Este será o evento final Caiam as cortinas e no fim A tudo botem fogo "Respeitável público A criatura que aqui se apresenta É o mais indomável dos seres Que se lhe arranque a pele Com o chicote da verdade Venham senhoras, venham senhores Não que haver piedade!" Deixai que as cinzas pairem sobre o ar Que caiam intrusas em seus pratos Em seus copos de bebidas Em seus festins absolutos Que falhe a respiração do homem Que sofre do edema pulmonar E que ele se queixe Deixa assim, deixa estar. E que caia a lona Deste picadeiro horrendo A vida é um grande palco E nós somos o teatro Pierrot é a minha Colombina Nessa sequência de Arlequim A vida é um grande trato. Fecha esse contrato quanto ele mais se estende Assino aqui, pas

O Quarto Escuro

Rua do Nascimento, número 1985. Rua dos nascidos, dos resolvidos, rua da esperança talvez. Como daria pra saber sendo que nunca saí daqui? Sou um morimbundo constante, sinto às vezes. O que é morimbundo? O estado de expectativa pré-morte, é o que sinto, e como estou sempre aguardando de quatro feito animal, isso não parece tão errado de afirmar. A vida inteira, sinto, passei aqui dentro, neste quarto, neste endereço tão simplório, e já faz algum tempo que não vejo a luz. Lembro que a princípio tudo era iluminado, então me guio pelas parcas lembranças de como era aqui dentro. Eu lembro que vivia no berço, a sensação de mobilidade era tão pequena, mas o conforto e sabor pela vida eram tão grandes, e a primeira memória que tenho é a de meu pai me carregando para tomar banho. Um sentimento de segurança e proteção tomavam conta de mim, quando aquelas mãos calejadas, porém carinhosas, carregavam meu pequeno corpo e me jogavam para ser banhado na pequena bacia com água morna. A sensa

Tropical

Entardeceu cedo esta noite, pois já ouço o sino das dezessete horas. É tarde demais, diria, pois já ouço o badalar dos sinos. Quem badala o sino? E a sina? É assim mesmo. Tem horas que a vida é feita de um monte de frases curtas. Deixa. Para. Olha. Só. Arre. Esquece... Essa coisa que aquece de vez em quando é verdade ou só brincadeira de ser feliz? É tipo um calorzinho assim no peito, mas esse calorzinho é esperança? Por que o amargo é tão certo? Por que o doce é vindo de um processo tão difícil e complicado? A natureza já nos apresenta isso, pois existem mais desertos quentes e frios do que florestas tropicais, mas a gente insiste em ganhar nosso lugar à sombra. Assim que souber da sina, assina embaixo e só espera o sino. Essa hora, tarde demais, parece que as coisas funcionam assim, com trocadilhos pobres, mas deixa. E se for só isso mesmo? Queria chegar no oitavo andar, mas e se nasci para o segundo, porque não hei de por a minha poltrona num lugar melhor onde bata luz, sol

Quem sou eu afinal?

Retirei este trecho do meu livro de fantasias favorito: Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu irmão ou julga o seu irmão fala contra a Lei e a julga. Quando você julga a Lei, não a está cumprindo, mas está agindo como juiz. Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para julgar o seu próximo?  Tiago 4:11-12 Pois bem, quem sou eu? Direi, peço licença a vossa divindade, porque eu estou aqui neste lugar que mais parece um circo de horrores do que uma obra divina. Eu posso dizer que não gosto da maior parte das pessoas que já conheci, mas eu posso dizer também com quase absoluta certeza o quanto eu desprezo pessoas religiosas, especialmente os cristãos. Cristãos são a nata da hipocrisia na sociedade, sem contar o cinismo, a falsidade intelectual e a cretinice de comportamento. Certa vez um cristão sente os desejos que um ser humano normal sente, de desfrutar do que o próprio mundo oferece, coisas que o se

Goth Love

Enquanto teu corpo se decompunha Eu via essa alma podre como a minha Éramos como duas vagabundas Rolando em cima da moral corrupta Dessa humanidade tão decrépita Mas meu amor, tua alma com a minha Convergia nesse vômito necessário Estávamos a um passo da morte do vigário E que se danem, não eramos, não seremos Nunca seria santa Mas por que a tua confusão tão tardia Permitiu que a tudo desintegrasse? Isso não mais parece um poema Senão um desabafo de amargura Esteja aqui no último momento Dessa interminável tortura E se? Não ligo Se aponto para o norte Na verdade paro em meu umbigo E assim vou seguindo

Mendigo

Alguém me atire na cabeça, exploda meus miolos, de repente a dor passa. Essa dor de um desejo que não pode ser saciado, porque eu sou um ser de componente pobre, e tudo o que minha vida se resume é a isto, uma série de desejos, um empilhado de desejos, pra me disparar algumas substâncias químicas em meu cérebro e criar-me a ilusão de que eu não sou um miserável solitário que daqui não levara nada, a não ser uma dor sem sentido na hora da morte. Alguém por favor acabe logo com isso, já que eu não posso causar a fatalidade em mim mesmo para não trazer uma tristeza incompreendida às pessoas que são egoístas demais pra entender o que eu carrego aqui dentro. Enquanto desfrutam da minha máscara, eu estou aqui preso em mim mesmo, encarcerado nessa falta de vontade de me superar, porque eu estou cansado. Cheguei num ponto onde não sinto mais expansão, sinto um tédio da estagnação da vida. Nada cresce, nada diminui, nada vai para lugar algum, e isso está acabando comigo aos poucos. O paras

Aquele velho tédio que me diverte

Eis o porque eu gosto tanto de você, embora não pareça, porque não é do meu feitio: você nunca está satisfeito, e isso é ótimo. Existe sempre esse tormento impregnado na sua mente, às vezes com a coisa mais estúpida e irrelevante. Isso é um deleite, acredite. Mas eu odeio meu melhor amigo... Porque ele é fraco. Vive em negação da realidade, o que me diverte, claro, mas comumente eu me impaciento, e de tanto já dizer, opto por calar-me. Já pensei no quanto me aborrece que as pessoas acreditem ser verdade a própria negação dela, enquanto ser verdade é ir desesperadamente em busca de uma vida que nega tudo aquilo que realmente precisamos. Essa imaginação confluente sempre nos faz pensar que somos mais do que somos, mas no fim das contas, no auge da nossa solidão depressiva, entendemos realmente que tudo o que fizemos até este raro momento de lucidez, não passou de uma mera fantasia para não nos entregarmos de verdade à cruel realidade: estamos aqui para nada apenas. E com