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A Vida é Espera

Aqui está, são R$3,74 senhor. São 7:34, está na hora de ir, senhora. Em quatro minutos, abaixem seus lápis  Volto já, até lá, página 74. Pois em nome do pai e do filho Amén  Pois é um menino ou menina? É menino! Sra. Cardoso? Sim! Sr. Cardoso? Sim! Até que a morte os separe! Embarque portão sete! Três semanas em Noronha! Pois cheguei mais cedo Às 4 Ouço o ranger e o berro da cama E lá eles estavam. Assine aqui Sra. Guedes Está bem? Sim, soluça. Doutor. Quanto tempo doutor? Doutor quanto tempo? De 4 a 7 meses. Já faz 4 dias Que angústia, que tormento Nada acontece. Acontece que aconteceu Foi um lamento Nada mais se deu. Fica a saudade. As saudades Ai que saudade de... Em nome do pai Do espírito Santo  Amén.

A Child is Born

Talvez seja o som do enferrujado Ou um rato que emite seu chiado Escombros mais escombros de história  Fragmentos de vida, de memória. Torna o animal tua origem  Séculos e séculos recôndito  Desavergonha-se, prêmio da miséria  Anda a plena luz, sem pudor. Restos, muitos restos pelo chão  De homens e mulheres e crianças  Agarram-se firmes pela mão  Sob os rastros de uma explosão. Toda a tua ciência e tua literatura Cai-lhe sobre os ombros Tua salvação, tua ruína No fim das contas, de nada serviu toda a nossa luta. Cerveja, Bill Evans e uma vontade doce de morrer.

Pedro

Antes do pôr do Sol Pedro mudou de opinião três vezes Na primeira vez defendeu o ataque às tiranías Porém apaixonou-se, casou-se e comprou uma casa. Na segunda vez defendeu que houvesse o direito de proteger sua propriedade  Mas a mulher pegou-o em flagrante na janela aos desejos pela vizinha seminua. Na terceira vez defendeu o direito ao salário mínimo universal Ainda que todo Carnaval viajasse de férias para os resorts nacionais. E ainda que Pedro mudasse de opinião por uma quarta vez, não teria mais tempo. No escuro, na quietude da alma, só se ouve a orquestra dos gafanhotos. E o mar segue sendo mar. As folhas das árvores seguem em seu ciclo de renovação. O silvo da ventania farfalha a floresta como em zombaria.

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida: Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.

PC Siqueira

Foi extremamente triste a morte do PC Siqueira. Nem toda morte é triste. Há mortes que acontecem, e a tristeza fica na saudade, mas nos sentimos felizes por aquela pessoa ter existido. No caso do PC, eu não comentava nos vídeos dele mas sempre o assistia.  Eu sempre defendi que o PC Siqueira por causa daquele infeliz caso, ele não foi aquilo do que todos o acusavam. PC Siqueira era depressivo, e em quadros graves, quando a doença está fora de controle, o depressivo se torna autodestrutivo, inconsquente, não se permite limites. Isso em todos os aspectos: físico, social, mental, emocional, não importa. A pessoa simplesmente não se importa com mais nada. Eu acredito que naquele comentário o PC já estava tão aquém dos limites do que choca as pessoas que ele foi lá e simplesmente disse. Ele pensou "eu me odeio, minha vida é uma merda, foda-se, eu vou dizer, e foda-se" e ele disse, e aquilo trouxe toda a reviravolta para a vida dele que o colocou nessa rota de loucura e solidão. Es

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

Crer

Sinto inveja dos que crêem. Os crentes levantam de suas camas sabendo para onde ir. Não falo do crente em Deus apenas, que é agarrar-se tão poderosamente à esperança, que a vontade da vida segue muito adiante, antes mesmo que ela aconteça, ainda que não aconteça. Falo também do crente em suas próprias ideias, do crente em seus afazeres, o que crê também na família, no trabalho, na ciência, na mudança de si próprio, ou que crê tão cegamente na incerteza do dia-a-dia. Eu invejo os crentes e os que se agarram às suas crenças. Não crer é como perambular, existir sem propósito em um mundo em que tudo parece gritar pela necessidade de ser alguma coisa. Ainda que se caia um galho de uma árvore, minutos antes ou depois que se possa tropeçar neles, crer que existiu algum propósito. Crer em algo é nutrir a esperança. A mesma tristeza vazia de uma flor morta é o sentimento de uma concha oca, que emite o som do mar quando colocamos perto dos nossos ouvidos. Ser oco é reconfortante, porém o oco que

Terezinha

Dona Terezinha assistindo a novela de Asa Branca Seu Roque Santeiro, santo do falso milagre. Falava com Porcina: - Entre aí não sua boba. Bicha besta! Mas Porcina ia mesmo assim. Estrela gravada na memória. Desliga o vidoguei Apanha a bassôra Espie, espie, espie Valei-me, Deus me livre! Sua palavra transborda de fé Sob seu pilar, histórias de milhões. Terezinha tem nome Santa. Santa Terezinha. Estrela gravada lá no céu.

A Culpa é Deles

Texto por: Borges Sanatore "A razão de eu estar tão amedrontado e tão enraivecido é a realização de que vivemos num mundo podre repleto de abutres gananciosos que há muito tempo se esqueceram do valor da lealdade. Desde cedo somos ensinados a ter lealdade apenas aos nossos prazeres imediatos e às nossas necessidades fúteis, vãs e mesquinhas, e temos passado adiante estes valores às nossas crianças, sem perceber que elas estão a caminho de virarem adultos frustrados, mimados, inconformados com a realidade. A ação lhes foi roubada quando o conformismo tomou conta dos seus corações, e elas simplesmente aceitam a tudo, contentando-se apenas a reclamar, simplesmente reclamar. Agora por quem lutar senão por nós mesmos? Nós, humanos, somos uma imensa tribo, mas temos dificuldade de nos reconhecer como tal. Temos dificuldade de olhar para nossa casta e perceber que estamos destruindo e matando uns aos outros em busca do nosso único e puro hedonismo. Nós, humanos, somos uma imensa tribo, m
Eu acordei com o som de água caindo, achei que era uma rara chuva de inverno, mas era só o som dela tomando banho. Levantei apoiando os cotovelos na cama, e olhando pela frestra da janela, apenas uma linha de luz, desorientado, não conseguia saber a hora, claridade da manhã, ou se era manhã, se fazia frio ou calor, se era hora de se levantar ou se ainda podia ficar alguns minutos a mais para relaxar o corpo da preguiça. Levantei e fui até a porta do banheiro. Tínhamos um banheiro em nosso quarto. - Amor, você viu meu isqueiro e meu cigarro? - Oi? Falei mais perto da porta - o isqueiro e o cigarro. Você viu? - Dentro do bolso? Não tá? - Ah tá - confirmei quando achei - você não trabalha hoje? - Falei enquanto caminhava para a janela. Acendi o cigarro e fumei distraído olhando para as janelas do prédio vizinho. Eu não sei porque eu ainda faço isso, fumar, assim como eu ainda não sei porque olho para a janela como se tentasse tentar na casa do vizinho com meu olhar. Morávamos em um condom