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Sobre as Coisas que Morrem sem Ruído

  Por Estevão Bruno Steiner Nem toda morte vem anunciada com gritos. Algumas coisas morrem em silêncio, desvanecem-se como a neblina ao amanhecer, sem que ninguém perceba sua partida. São as relações que se esvaziam lentamente, os afetos que se tornam vazios sem um motivo aparente, as palavras que não são ditas, os abraços que deixamos de dar. Essas mortes silenciosas doem sem nome, deixam feridas sem cicatriz, ausências que pesam como o silêncio. Aprendi que não é preciso alarde para sentir saudade. Nem sempre a falta se expressa em lágrimas - às vezes, é só uma sombra que acompanha o dia, um vazio que se insinua na rotina. Não guardo rancor por essas partidas mudas. Elas fazem parte do caminho, do aprendizado de que nem tudo o que começa tem um fim glorioso. Mas que, ainda assim, merece ser lembrado, respeitado, acolhido. Pois há beleza também nas despedidas caladas, e força em continuar, mesmo quando o silêncio é tudo o que resta. Estevão Bruno Steiner

A Oração dos Que Foram Feridos

Por Estevão Bruno Steiner Não peço justiça - nem que o mundo se dobre aos meus pés. Não quero o castigo, nem a vingança. Só peço misericórdia. Para mim, que carrego cicatrizes invisíveis, marcas que o corpo não vê, mas o coração sente. Para aqueles que foram esquecidos nas sombras, que tiveram a voz calada ou distorcida, e que hoje só querem um pouco de paz. Rezo por eles - não porque tenham sido fracos, mas porque foram humanos demais para suportar sozinhos. Que encontrem, no silêncio da noite, um alento que os conforte, uma luz que não cegue, mas aqueça. Que a dor não se transforme em veneno, mas em ponte - para a esperança e o renascimento. E que, mesmo feridos, possam erguer-se um dia, não como guerreiros em busca de batalha, mas como homens e mulheres que sabem que a verdadeira força está em perdoar e deixar ir. Que esta oração seja abrigo, que esta fé seja remédio, para todos nós que, apesar de tudo, ainda acreditamos no poder do amor. Estevão Bruno Steiner

Domingo do Senhor

Domingo do Senhor É dia de varrer a casa. Ouvi, há muito tempo, um estrépido troante Como o som de um vaso oco estilhaçante E era mesmo um vaso a princípio muito ornado. Ou quem sabe era a forma de uma estátua O abedé de uma deusa, Euterpe, Calíope, Psiqué ou Erato. Quanto tempo que esse estrondo aconteceu? Foi descuido ou a força de um grito? Foi um tombo distraído, ou força do hábito? Ou quem sabe uma palavra mal pronunciada Titubeia pela pressa de pouco perceber. Será que ninguém notou Todos os pedaços espalhados pelo chão? Pai, mãe, filha, companheira E a carne que espeta nossos pés O sangue entrecruzando nosso rastro? Faltou coragem Faltou muita determinação Encarar o meu pedaço Num fragmento ensanguentado pelo chão. E hoje, que nem era Domingo do senhor. Hoje que era um dia qualquer... Todo dia se parece No Domingo varrendo os fragmentos.

A Fé que Aprendi no Silêncio

Por Estevão Bruno Steiner Nem sempre a fé veio embalada em salmos. Nem sempre se parecia com uma oração bem dita. Às vezes, ela era só o ato de continuar respirando quando tudo dentro de mim pedia pra desistir. Houve noites em que a esperança parecia um estrangeiro e Deus, um eco distante demais pra ouvir. Foi ali, nesse vão entre o desespero e o nada, que o silêncio se tornou meu mestre. Não o silêncio amargo da indiferença, mas o silêncio fértil - aquele que acolhe o que as palavras não alcançam. Aprendi que há uma fé que não se diz. Ela não se dobra em joelhos, nem se impõe em doutrinas. Ela apenas… permanece.   Mesmo frágil. Mesmo confusa. É a fé do andarilho que não sabe onde vai dar o caminho, mas caminha. É a fé de quem abraça alguém em pranto sem saber o que dizer — e mesmo assim é consolo. É a fé que sobreviveu ao abuso, à injustiça, à ausência de amor onde mais se precisava. E que um dia, cansada de gritar, se aquietou. Foi nesse silêncio que encontrei algo maior...

Carta a Quem Não Soube Ficar

Por Estevão Bruno Steiner Nem toda partida é um fracasso. Às vezes, é só o modo como o tempo nos protege de um naufrágio maior. Demorei para entender isso. Demorei para aceitar que o silêncio também pode ser uma resposta. Que não te ter ao meu lado hoje… é, no fundo, uma forma sagrada de cuidado. No início, doeu como ferida exposta. Achei que o amor tinha sido desperdiçado, que os gestos não ditos se perderiam sem testemunha. Mas hoje vejo: nada foi em vão. Nem mesmo tua ausência. Ficaram as memórias — e com o tempo, elas aprenderam a caminhar sem doer tanto. Eu queria que soubesse que te perdoo. Não por tua ausência em si, mas pelas promessas que não soube sustentar, pela forma como se despediu antes mesmo de ir embora. Te perdoo porque também já parti de lugares onde não sabia como permanecer. Te perdoo porque sei que o medo nos transforma em fugitivos, e às vezes o amor assusta mais que a solidão. Teu nome ainda existe em mim, mas não com rancor. Hoje ele mora...

A Ponte

Todas as noites em que eu sonhava, não importava o tema ou as imagens, estava presente uma ponte que flutuava bem alto lá no céu. Não era uma ponte comum, em que era vista de baixo para cima, ela realmente estava flutuando no céu, cortando toda a dimensão do horizonte até onde eu pudesse ver, de leste a oeste, e não se conseguia ver o começo, ou o fim, por mais que eu fizesse um esforço, ou caminhasse por dez dias inteiros, ou pegasse uma carona com algum estranho, essa ponte não me permitiria saber o que se encontrava em suas extremidades. Se eu sonhava que estava na minha sala de aula, lembrando das pessoas que fizeram parte da minha infância, ao sair da escola, eu notava cortando o céu azul aquela imensa ponte, em que as extremidades se perdiam em um caminho interminável. As risadas dos meus colegas indo em grupos ou em duplas para suas casas me despertavam um misto de alegria e isolamento. Quando eu sonhava que estava andando sobre a areia da praia, ouvindo o som da espuma molhando...

O Homem de Areia

Acordo tossindo, no meio da rua, engasgado com meu próprio sangue. Uma saliva vermelha escorre pela minha boca e mancha as minhas roupas, enquanto tento buscar o ar que me falta. Minha vista turva sintoniza gradualmente o mundo ao meu redor. A tela da realidade toma forma e aos poucos onde me encontro. Estou cercado por uma pequena multidão, todos eles absorvidos pelas suas tarefas do dia a dia. Um casal de idosos, indiferente ao resto do mundo, discute as contas da casa. Um homem corpulento e desengonçado procura freneticamente os resultados dos esportes da semana. As crianças correm pela casa, ignoram os meus apelos, até mesmo quando se aquietam para assistir TV ou os intermináveis vídeos do celular. Várias moças fazendo suas unhas e comentando sobre o calor quase insuportável do dia. Um casal dança sensualmente atrás de uma árvore, aproveitando-se da pobre luz. Os senhores no bar jogam cartas e contam suas histórias como moeda de troca. Um bêbado cambaleia e parece ser o único genui...

Eu preciso ser eu mesmo em algum lugar desse mundo

Cada poema que eu escrevi, não sei dizer se são bons, mas eu escrevi. Não tive pretensões, mas eu senti que precisava escrever. Não quis fama nem nada disso, só queria escrever. Talvez uma parcela de mim desejasse o reconhecimento. O poema é uma voz, e toda voz quer ser ouvida, porque ninguém quer ser o louco que fala sozinho aos ventos. Mas já parou para ouvir um louco falar? Ele traz um incômodo porque nos projetamos, então fingimos pressa para não ouvir. Ou até fingimos mais sanidade do que o próprio louco porque não queremos dar-lhe crédito pelas coisas que diz. Eu não sei se toda voz quer ser ouvida, mas eu gostaria de ser. Eu fui pouco ouvido durante toda a minha vida, disso sim eu tenho plena convicção, entao me acostumei a dizer o que as pessoas querem ouvir, e eu queria que as pessoas dissessem pra mim aquilo que eu quero ouvir. Dizem que comunicação é uma coisa impossível, a menos que digamos palavras de ordem. Talvez algum filósofo tenha escrito isso. Cada poema que eu escre...

Na Praia

Contempla a pedra una o nascimento Do suntuoso Astro que se lança Como o materno elance tua brasa Extirpa da minha vida o lamento. Beija-me os pés com tal candura A alma que imortal e majestosa Clara, tão macia e arenosa Da vida, abranda a desventura. Dança com o silvo de uma brisa Restaura-se o grão o teu domínio Incauta testemunho-lhe a misa A carícia que faz-me a imagem. Já não mais soa como o eterno toque Que na memória o gesto imortaliza Vez a vez se aparenta-se imponente A cena que comove-me o enfoque. Cavalga mar adentro a ventania Prata e prata no celeste horizonte Manto líquido, tua sabedoria Áspero, feroz limpa o Flegetonte. Olha a pedra do flamejante prenúncio Do grande Astro que o braço repousa A ocre cor que em seu leito se esconde Salva-se o mar perene de silêncio.

Porque desertei

Abandonei a fileira das causas e das lutas porque me dei conta de que nada é mais doentio do que a convicção de estar certo o tempo todo. Essa vida é tragédia e sofrimento. É uma batalha pelos desejos dentro de um campo em que tudo é contraditório, e tentar compreender as contradições está nos levando à loucura.