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Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Sísifo no Divã

Árvores sombra água fresca Frutos suculentos ao pé do monte Pé ante pé força a perna Sobe, sua, ofega Pausa só no cume Após as nuvens Após o sol Após, até mesmo, das estrelas Lá no topo resta ar Respiro fundo a minha conquista Mas que lástima! Árvores, sombra, água fresca Frutos, ressecando ao pé do monte. De volta ao sopé. Pé, ante pé força a perna Galhos ossos, cascalho Até que, a asa do espectro Pesa ferida sobre a janela No batente que mira o monte. Mas que lástima. Árvores, sombra, água fresca Frutos, caídos, pelo chão. Pérolas, rolando, pelo rosto Vidros, quebrados. Mas. Galho, escuro, sede. Pé.

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.

Diante do Espelho de Eva

Deidade minha senhora, sempre em chama,  Tua boca ampla macia leva ao chão.  Rubro ímã, fordil de que reclama,  Se ajoelha, perco-te em oração.  Lábio que já até abate impérios,  Arbusto estandarte de querer,  Contemplo no espelho, mil mistérios  Deseja o outro, roga-te a sofrer.  Oh fidalga autora que devasta,  Tenra rubra,  perde-se e implora,  Beija, agarra, fissura nefasta Hecatombe quente que aflora. Abre, descativa: eu me rendo,  Aparta-me, sou só a pele e o som.  Que venha a seiva, o toque, o alento,  Que não há além altar deste teu dom.

Cortina de Cetim

Rouba-me as forças, Sim, eu desfaleço Quando os dedos correm E retratam a curvatura Das cortinas de cetim. Brancas, negras ou rosadas Cobrem, protegem, aludem Bruma vontade malograda Sob coral desejo e penugem. Portas da genuína vida Abre-as, largas, para mim Explora com cuidado aventuroso Em busca do macio carmesim. Venha até ela teus murmúrios Úmido disfarce ante o portal Que a tua boca aberta em perjúrio É o santo manto ruindo, mortal. Abre o que isto transformei em rito A brisa fresca adentra o limiar A porta treme, responde em grito Sussurro Sibil, e canto lacrimoso À voz de melodia insolvente E ao corpo que se solta, se desprende Como pode, pergunta o riso crível Que algo tão pequeno, tão frugal Desmonta a força inteira de um ser Deixando-me entregue, irracional.

Zéfiro

Sussurra em mim a silente valsa  A voz que repousa na palma da mão  Chegando larga remansada balsa Oferta a fleuma tal uma oração. Sopro de um ocaso que vem me acolher  Fulgor feito em artelho, penteadeira  Não vê-se mistério do que vir a ser Onda que resfolga à palmeira. O ar que a mim, envolve-me puro Pelo nó que a nova brisa desata E o pé, que já solta-se, bem seguro No embalo deste zéfiro prata Aperto que solta, riso adentrar O moroso baile, no compasso mel O ar que pesava, faz gota a gota A chuva que lava, inteira, sou céu.

A Farsa do Setembro Amarelo

É a última vez (e não prometo) que pretendo escrever sobre este assunto. Como sociedade, avançamos a passos largos para o total declínio, ou já estamos nele e não percebemos. É isso mesmo, digo de forma pretensiosa e evocativa de um provável apocalipse social. Já nem temos moral, essa coisa transitória. Eu me pergunto se há espaço para a moralidade em um contexto em que temos tanta gente falando ao mesmo tempo sobre todas as coisas. O que temos, e isso não é novidade, é a guerra moral, em que a própria moral tem sido usada como munição, está sendo gasta e reciclada ao total esvaziamento.  E nesse mesmo contexto moral em que se briga para determinar qual é a conduta vigente, esprememos a necessidade do bem estar diante de uma demanda de produção em larga escala para atender os anseios dessa mesma moralidade que está em decadência. Não há como não esperar um resultado catastrófico. E então, diante deste desfile da desesperança, decidiram trazer um antidoto para emendar, que é a campa...

Partem os convivas, mas Eu Te Amo

Penetrem convivas, os amplos salões Contemplem, com "ahs" e "ohs" Num brio de coros libidinosos O mármore de Afrodite e Baco Os lautos chamados suntuosos. Bebam Comam Fodam! Desçam com as estacas Em visco escorregadio Engasguem, salivem O assoalho em verniz. Num indecente sóbrio manto Em uníssona voz e contraponto  A ápice volúpia, nosso canto. Durmam E depois do riso Da bebida Da partida do gozo Sumam daqui! Saiam todos! Larguem as taças  E a restinga da algazarra! Deixe-as que eu recolho Como sempre o fiz Os cacos de vidro pelo chão. Entre o sangue da dor E do abandono Uma jóia quente e macia. Cai em mim a sua mão. Vai então, minha clara confissão: Eu te amo até o fim dos meus dias Eu te amo até quando puder respirar Esse ar fétido que nos cerca Eu te amo até que fique em carne viva Da vida que me trouxe de volta Eu te amo, coelhinho, oceano. Repousa aqui tua mão e não solta.

Páginas Arrancadas da Distante Primavera

E fomos hoje, felizes para sempre Uma taça com marca de batom  Outra pela metade Miro o mundo em devoção,  Terra alva, perfumada,  Vinco ondulado no lençol  Avermelha o topo o pôr-do-sol.  Um olhar incrédulo a você.  Estreito em maciez avermelhado  Véu de um lenço carmen de cetim Uma terra úmida, trabalhada  Duas jóias ambar para mim.  Mas já são cinco e trinta da manhã!  Dois minutos  Para vestir os sapatos  Cinco  Para fazer o café  Dez Para esperar pelo ônibus.  E a coragem triste de caminhar  Sem você.

Juramento

Se a mim coubesse  Ser o resgate deste cântaro Montado em partes Despedaçadas em descartes Se a mim fosse dada esta missão Veria-me entregue Perante a ti Ajoelhada ao chão Mãos arqueadas ou boca aberta? Sangue escorrendo pelos braços Ou néctar desenhando os lábios? Tanto faz Teu prazer Minha paz. Até que em teu peito encontrasse novamente O contorno do inteiro que perdeu. Se a mim, motivo fosse dado Cataria contigo em cada canto Em cada esquecida esquina Os pedaços que são a tua sina. Roubaria este nada que a noite te visita E o afogaria no que escorre do meu ventre Até que o nada disso restaria Além do vestígio do perfume Que tua visita deixa hospedaria. Se eu pudesse, sentaria em tua cadeira Minhas mãos, teu manto Os meus joelhos, opostos Na maciez rígida que me parte E deixaria ail, chorar Esvaziar dentro de mim Até que o sal que cai do nosso corpo Pernas balançando, meio morto. Até que lágrima que espera insistente Traria-nos um sorriso sóbrio, dormente. Se eu pudesse, daqui de...