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Diego Maradona

A memória mais antiga que eu tenho de Diego Maradona era assustadora: Era a Copa de 1994. Após fazer um gol eu via aquele homem de cabelos encaracolados gritando como um diabo louco em direção à câmera. Porém eu cresci em uma casa mergulhada no preconceito, e o preconceito tem uma resposta rápida a tudo o que é diferente, o medo. Então para afastar o medo, categorizamos. "Que louco" disseram, "isso é a droga" disse outro, e ainda "ele é um cheirador". Pronto, a imagem do Maradona estava criada na minha mente, mesmo sem eu saber direito o que era a droga pra cheirar, apenas sabendo que era ruim porque me disseram que era ruim. Com o passar dos anos mais adjetivos: Maradona é amigo de assassino pelas fotos com Fidel Castro. Maradona nunca vai ser maior que o Pelé. Maradona é violento, Maradona é um grosseiro, mal educado, estúpido, irresponsável, etc. Até que me lembro um emblemático momento em que ele e o nosso maior jogador (brasileiro) de todos os tempos,

O Eremita

 Naufraguei no dilúvio da própria tragédia Era a base da forte montanha Que só água, rangido e destruição E à frente o eremita e seu capuz branco Cajado nas mãos Pernas magras tal gravetos Corpo esguio tão nutrição A trilha seguia íngreme e preguiçosa Quase no alcance do impossível Mais água, mais rangido e mais destruição E o homem de cajado na mão Moveu o dilúvio com a força do pensamento E com a força do pensamento, moveu a mão De montanha em montanha Há o dilúvio De dilúvio em dilúvio Há montanha Sorri em paz.

A Via Sacra

 Acende uma luz num domingo cinza É noite de missa Mas o galo ainda canta Acende uma luz num domingo cinza O cenário se alaranja Mas o galo ainda canta Acende uma luz num domingo cinza Já é de noite E a paróquia não conquista teu lugar Acende uma luz num domingo cinza O galo não para de cantar E que todo lamento ainda é sonho

Magia Negra

E se fossemos capaz de lhes devolver tudo o que lhes roubamos A voz A música A luz A alma O direito de ser humano Mas não posso Posso apenas ajoelhar enquanto passas Deixa-me, por favor deixa-me Deixa-me transbordar toda essa culpa Esse peso Deixa-me mostrar o que é ao menos uma vez Ser grande diante dos outros Entendo a pequenez do gesto Mas é a humilhação voluntária De que não suporta teu sofrimento Abro-te as portas para passar E deixo que todos os palcos se esvaziem Até que canses de tanto gritar Até o fim da minha existência Perdão E quando perguntam do menino O do morro? Queria que fosse vivo E é. Mas não precisa de mim Não precisa da minha licença Ou da minha permissão Isso é só voto de consciência O alarme de uma alma que sofre E se compadece Se me quiseres na batalha Lá estarei Mas sei que tens punho Força Voz Alma e Coração Peço-te apenas Por tanto que lhes roubamos Perdão Por inveja do feitiço ou da condição O tanto que nos deste A vela dessa traição Peço-te apenas de joelho

Ônix

 Vi nos olhos de um homem Que acabou de descobrir a verdade E ela dizia: Mate-me enquanto ainda há tempo Deixe meu corpo na beira da estrada E vá, sem peso na consciência. Não odiarei saber Que um dia me odiou Estarei processando a luz E o perfume das flores Enquanto vejo vermes pelo meu corpo Devorando lentamente a morte que me chega Não sobrará sombra nem luz E virá de pés descalços um menino É um ônix com um sorriso que me cega Ele correrá às voltas do cadáver E saudará meu espírito para o além Mas de joelhos pedirei perdão Com ele já me tendo perdoado. Nunca estaremos do mesmo lado.

Fenômeno Júlia

Eu aceito você na minha vida Sendo apenas estrela cadente Um raro fenômeno Pra vida inteira ficar contente Cabelos enroladinhos De cores adocicadas Rostinho de porcelana E lábios de poeta Disseram que você chora antes de dormir Mas a lágrima que você derrama É um botão de rosa dourada que vai surgir Como seus cabelos Enroladinhos Fizeram você como se faz o inesquecível Tem muito universo se pra explorar No meu coração, só saudade Tem sol nascente amanhã de manhã E som de rio Mas não é o mesmo som Nem o mesmo o Rio Nem a mesma Júlia Só a mesma saudade.

A Cama

Eu adoro ouvir a música dos seus cabelos Algo assim em Dó menor O mais sensual dos acordes Ela entoa o som que morre nas paredes Amortecido pelos seus berros de amor E toma a nota que serpenteia pelo cômodo Caça os acidentes e extensões E que sabor Pimenta, manteiga, uma folha de manjericão As curvas hostis do seu corpo inteiro O teu corpo no espelho que te agride Mas traz ele aqui Traz que a gente descobre que é só rigidez da vontade de ser Fica em pé aqui diante Teus joelhos não vão arder enquanto cantarola A passagem em um sub cinco de um sub cinco Num ritmo de três por quatro Valsa pura, jazz moderno, samba com repique de rock n' roll. A terça roubada, do empréstimo dos modos A tua canção molhada que fica na cabeça A dança potente que enrola tua língua A garganta forte de nota sustentada Tudo por uma mera substituição O preparo Júbilo diminuto Diabolus in musica Uma terça empilhada na outra E enfim, a espera do refrão O repouso Primeira menor com a sétima A esquina A conclusão 

Moonflower

Prenda tua respiração Enquanto vejo lentamente Seu alvo e belo corpo Afundando levemente Eu soube assim que vi Olhei pelo fundo do lago À Ipomoea alba caça Mas era você ali. O pêndulo no coração Era você que o ar puxava O pulso leve se agita O repouso peito arquejava Prenda tua respiração Enquanto tua própria imagem Encara, estoica na ferida Que causou-me nesta margem À margem em vão te esperei Uma fresta de porta aberta De braço e peito amplo O choro em vão desperdicei O medo, pois, foi ele sim A ganância fútil fantasia A sedução da imagem própria Narcisa ególatra e vazia Prenda sua respiração Enquanto o verme te corrói Amor, quão diga a mente tola É um vivo sacrifício, que dói. E aquilo que em meu peito arde Muito a entrega vale a pena Todo o mais é morredoiro É o refúgio do covarde. Quem sabe do quão sério A vida o preço alto cobra Não é ideia senão escolha Quem pela dor não se desdobra. Prenda sua respiração Vista a cobertura farsa Que a boa-fé sempre desvela O que o intento não di

Explorando o universo narcisista

Você pode se transformar em uma vítima o quanto quiser, metamorfoseando o mundo inteiro no seu inimigo (como se todos nós tivéssemos esse tempo livre na vida). Nós sabemos o quanto de responsabilidade você carrega e finge que não é com você. Eu te ouço gritar na rua com aquela pessoa, depois que acabou de deixar o seu saco de merda no chão. Chama a atenção, ei, você aí, esse saco de merda aqui acabou de cair da sua mão. Mas é lá que você larga, e o fedor acaba recaindo na culpa de quem está mais perto. E na multidão, como um rato imundo, você aponta seu dedo repleto das lágrimas alheias e diz "foi ele". Você chama quem estiver por perto como testemunha, que pela sedução desse maldito veneno, concorda, eu também vi, foi ele. E assim a mentira se fortalece, e mais uma pessoa se destrói nessa narrativa fraudulenta, a história sofre com mais um capítulo distorcido, e quem deveria sentir o peso do julgamento coletivo sai impune. A biologia, porém, é maravilhosa. A natureza é marav

Misericórdia

Já estive tão absolutamente pleno de amor por tantas vezes na minha vida. Eu escrevo muito sobre amor, sobre solidão, sobre o sofrimento que é o abismo entre os dois terrenos, e sobre o marasmo que é a ponte que os conecta. Por quanto tempo trafeguei por estes caminhos? Eu uso o amor como o refúgio pra esse mundo caótico? De que adianta escrever sobre o óbvio? O egoísmo e a mesquinharia de quem está no poder, que não é diferente do que a mesquinharia e a ganância de quem já esteve no poder antes. A arrogância de fazer de si mesmo a licitude em forma de pessoa, com as mãos abertas espalhando as migalhas da misericórdia. E se não fosse o amor, e a capacidade de amar, de saber que ao menos alguma coisa somos capaz de preservar em sua forma original, ou ao menos, de fazer bem, não teria já enlouquecido? Não seriam os criminosos mais sórdidos aqueles que sofreram a vida inteira da ausência do amor verdadeiro? Ou será que me engano sobre mim? Será que em mim eu sou apenas aquele que se conve