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Juramento

Se a mim coubesse  Ser o resgate deste cântaro Montado em partes Despedaçadas em descartes Se a mim fosse dada esta missão Veria-me entregue Perante a ti Ajoelhada ao chão Mãos arqueadas ou boca aberta? Sangue escorrendo pelos braços Ou néctar desenhando os lábios? Tanto faz Teu prazer Minha paz. Até que em teu peito encontrasse novamente O contorno do inteiro que perdeu. Se a mim, motivo fosse dado Cataria contigo em cada canto Em cada esquecida esquina Os pedaços que são a tua sina. Roubaria este nada que a noite te visita E o afogaria no que escorre do meu ventre Até que o nada disso restaria Além do vestígio do perfume Que tua visita deixa hospedaria. Se eu pudesse, sentaria em tua cadeira Minhas mãos, teu manto Os meus joelhos, opostos Na maciez rígida que me parte E deixaria ail, chorar Esvaziar dentro de mim Até que o sal que cai do nosso corpo Pernas balançando, meio morto. Até que lágrima que espera insistente Traria-nos um sorriso sóbrio, dormente. Se eu pudesse, daqui de...
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Flan de Lã

Longe no quintal de um longo tempo Suspenso, imóvel, e repousado Sinto, peso, o calor da tua mão E eu, suave, afável, ao teu lado. Um lugar de folhas flutuantes E lentas, rodopiam devagar Teus olhos, o meu riso cordial Palavras? Não carece de falar. E estes fios dourados ondulantes Cabelo de menina no ventar Que valsa e aquece o instante Que sempre insiste em congelar. Me esqueço, leve, em teu colo E ouço a vida ir em surdos passos Da brilhante pedra em teu solo Guardada a unir teus estilhaços. Que esqueçam as horas de passar Que este mundo seja permanente Aqui, porém, na vigor ternura Aqui só nós, o amor latente. E dobrem as memórias em candura Acolham, em cobertas, flans de lã Suave teus caminhos, rua dura Teu amor, tua amiga, tua irmã.

Estilhaços

Fui catando os fragmentos pela vida Pedaços do que foi estilhaçado Uma diversão aqui Um sorriso ali Aqui tem uma carícia Lá, cacei um pedaço daquela maciez Aquele calor de quando a mão Me segurou pela primeira vez. Fui catando os pedacinhos, pouco a pouco Ainda não está tudo, não está completo Ainda sinto o bater frágil e vazio De um peito pobre e inquieto. Ainda sigo em rimas sem sentido Em aceitar migalhas ainda sigo Porque não aprendi, desde aquela tarde A seguir sem o que me foi perdido. O som e a dor, a coisa que é física Se esparrama na malha do tempo Se alonga e se despeja pelos dias. Levanto Dobro os cobertores Faço o café Tomo-o, sozinho, em companhia A maciez de uma poltrona sob mim A fria brisa que corta o meu rosto Não é a carícia, é o mesmo convite diário O mesmo maldito sacrifício O que para muita gente é Domingo Para mim é um suplício! Por que ainda? E então, nada, absolutamente nada Esse maldito e infernal nada! Esse nada que se sobrepõe, que se envolve sem convite E se...

Madre Pérola (4)

Você minha guia Minha luz Você que com a curva etérea Da fronte mais divina Me conduz Eu sei que em algum lugar Deste mundo repleto De alegrias tardias Deste mundo que pede sofrimento Em troca de um alívio de momento Eu imagino, com a força do coração Que há uma flor transcendental Uma pedra opaca, rara e lustrosa. Que você enterrou com a própria mão E lava-me o ilusório bem e mal. E quando a carga torna-se mais dura Mais árdua, mais pesada Quando o peito arde em amargura Eu sei, minha guia, que aí estás Mesmo sem estar Mesmo que tua matéria seja agora Parte desta natureza Que tenha caído no rio Ou esteja esquecida sob a mesa Que basta fechar os olhos Lembrar dos sons trazidos de outro tempo Quando a inocência ainda persistia Quando você olhava para mim Com seus olhos de amor e me dizia: Ame, amigo, ame. Ame todo dia.

Mil Vezes no Meu Caderno

Quando falo só O frio responde - Vem, em sussurro suave Que tristeza é ser o frio: O que é carícia Acaba virando porta sem chave. Se eu fosse uma pedra Senhor frio, senhor inverno Receberia o Seu abraço E escreveria Seu nome  Mil vezes  No meu caderno. No frio As horas fazem sua trajetória Vem com botinhas pesadas Amassam a passo minhas histórias.

O Cortejo de uma Terra que Resiste

Mira a terra sob teus pés  Esta terra que respira com pesar Coberta de raízes represadas  Raízes tão fundas Tão cravadas neste seio  Que ora raízes Ora correntes do coração. Estes teus pés tão gentis Pisam com a felina sutileza  Olham matando antes do ato  E matam, não pra devastar Pra espalhar tuas sementes  De renovação, amor, tato. E nasce uma flor Outra flor  Muitas flores São todas as mesmas flores Todas da mesma mão Da mesma jardineira.  Um amor que é um respiro de alívio  Mas que se abre em fenda sobre o chão. Esta, sob teus pés tão relicários  Porcelaninha, cristal, seda divina Preâmbulo intrépida ferina Contorno teus sacrácios montes  A gente que neste solo sobe e cai E que neste solo a gente invocai O caminho não é jornada E a jornada não é partida É cortejo quase que em vida Mas diante destes pés  Quase tão virgens de saída  Respira-se um quase sem revés. É o cortejo de uma terra em redenção. Porém benção não é ...

Deitando com Caronte

Noite, me veste Como minha verdadeira pele Noite, essa noite em liquidez Que do rosto me escorre Essa noite que punge, que sangra Noite que despe, noite que morre. Corvo que em mim pousa Que grasna teu canto perfurante Corvo que me invade Ofega em mim e me sufoca Afaga tua saliva que escorre Do meu rosto que arde Rosto que não é meu, que morre. Verme que em mim rasteja Que me toca sem pedir Verme que me devora De dentro para fora e me destroça Sua gosma necrófaga escorre De um rosto que não é meu Verme que rasteja, verme que morre. Espelho, espelho meu Quem é a moça mais bonita? A do corpo roubado Ou do corpo que é seu? Diz para mim, ou não diga... Espelho que não meu.

Infiltração

 Só Sim Assim Salta Cai No chão Derrama suave Olha a gota Que molha o solo Chegando com indisciplina. Na parede, essa mancha escura Esse anúncio de chegada feia Que escondi sob a pintura. Que de gota, pode virar cheia. Tem gota que vem pra vida E tem que vem pra lembrar Que passa por baixo da porta Sem nem mesmo avisar. Que é convite, ou invasão É só o mesmo esquecimento De cuidar do nosso lar. De uma torneira que desgasta Envelhece sem substituição E não há o que fazer Ou fecha, ou aceita, ou vive sem correção. Enquanto pensa Bem Bolha Molha Meus pés E as roupas E as coisas através Dissolve o que acumula Preenche sem convite Com realidade, não dissimula. Os cômodos vazios Engolfa o nó dos dedos Os laços do coração. Sob mim, espelho d'água. Me mostra mais torta Ou mais bonita Mostra a verdade ondulada Que dentro de mim habita. E se não para E se não fecha Chega feito cascata Alvoroça o dia inteiro Puxa a água da pia Da cama, da sala e do banheiro. Esquece do café e do sofá Não aten...

Barca do Breve Retorno

 Vesti meu guarda roupas De roupas já usadas sem pressa Lavei as roupas novas Sob as águas de incerta promessa Cobertas no varal Caiu em mim a luz Nem tudo é vendaval Tudo, ainda que não rime, é passagem Atenda, ainda que doa, ao pedido Só dá, amigo, um pouco de coragem. Segue além as barcas que subimos Param nos portos Encalham no mar Ou afundam no abismo Mas não, Não afogue-se em melífluas tristezas Caem as pétalas de flor Sobram os espinhos Florindo ainda com belezas. Veja, eu tenho a certeza Agora sim, agora o remo pesa Mas não é uma penitência Não é castigo. É só caminho da nossa natureza.

Barca da Renúncia

Arrasto-me sobre os pés Restando o sussurro às paredes Preces mornas de súplica e perdão Levado pela barca da renúncia me deixei. Esta em que eu mesmo adentrei. Além do horizonte,  Disseram das Américas, espera Mas só, aguardo impaciente  O fim deste mar que não se encerra. E o que em mim se enterra, Dia após dia, É o baque surdo de um grito acorrentado: Liberdade, liberdade! Que não sai. Que morre na vontade.