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Ponto de Chave

Ou é vontade de morrer Ou pode ser só a gravata Uma vermelha que combina com o matrimônio Uma verde, ou uma nata, que tem lá seu senso de humor. Ou pode ser, e isso quase ninguém percebe A pressa de quem espera um ônibus Destes que atrasam além do esperado Enquanto o itinerário passa três ou mais vezes Da linha que está do lado. Sempre quando é a minha vez! Ou pode ser uma chuva fora de hora Ou calor na estação errada Pode ser aquela memória presa Que de repente vem raspar o sentimento Até deixar em carne viva E virar depois um ferimento. Pode ser só, quem sabe, um passo a mais Erra a rua Entra na loja nova E a vida segue, mesmo assim. Aqui pode ter a gravata da cor que quero. Ou pode ser só assim mesmo: Dez anos atrás Quando pisava aqui todos os dias Este edifício estava Dez anos atrás Hoje já não está mais. Então pode ser só isso De nunca ver, nunca mesmo Duas nuvens com formato igual E quem para pra memorizar estas coisas? Pra guardar aquilo que todo mundo diz Esquece isso Você só e...

O Dia da Flor

Os primeiros livros que eu comprei, por escolha minha, foram O Senhor dos Anéis e A Sociedade do Anel, de JRR Tolkien, Os Maias de Eça de Queiroz, A Hora da Estrela de Clarice Lispector, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e enfim, Libertinagem, de Manuel Bandeira. Foi assim que eu comecei a minha biblioteca, com estes livros que misturam escolhas pessoais e indicações de professores do cursinho. Não os comprei todos de uma vez. O Senhor dos Anéis eu tinha treze anos. Foi a fuga pra uma cura pessoal, e eu só sei que foi fuga hoje, depois de adulto. Na infância a gente ainda não confunde tanto a fantasia com o escapismo. Hoje, era necessário. Os outros foram todos de uma só vez, aos 17 anos, em uma feira de livros que aconteceu no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, em 2003. Eu nunca tinha ido sozinho na CCSP, e nunca tinha ido numa feira. Eu estava com amigos do Cursinho da Poli, e eu nunca tinha saído com amigos para nada tão interessante antes. Eu ...

Dezoito Anos

Derramou sobre o meu corpo A chama fulgurosa do teu ser Vejo tuas sensações em toda parte Que parte sempre em mim para viver. Amo, sim, sem medo, sem dor Amo, sendo assim, um sussurro silencioso. Cavo a terra, planto uma semente Nasça, rosa da paixão! Nasça em chamas! Espalha essa noticia esplêndida À próxima geração! Te vejo no céu e na terra E no primeiro brilho da manhã. Te vejo no olhar curioso da infância, E na sabedoria derradeira da vida. Eu te vejo no meu seio E na extensa jornada da avenida. E nada existe sem que eu pense em você Nada vive de verdade, sem que isto me recorde O instante que tem sempre tua presença A canção origem deste acorde. E em mim, eu te encontro Como encontro o ar que eu respiro E a vida ora estranha Que a tua memória impregnada em mim Faz continuar.

Borda e Lar

Toda aurora traz os passos Até a porta da casa A borda, o lar, a fronteira E outrora, o olhar escandaliza O toque, pouso de condor Perfura e mira o reflexo Na linha espelhada da lagoa. O lar do abissal desconhecido. Resta ali Abraçados em si: O pavor  E a criança A faixa luminária Cobre lentamente o sono do mundo E embala o crepúsculo das almas É a mãe que puxa a manta Para o exausto filho sonhador. É a última noite, meu amor.

A Casa que nos Resta

Há um lugar Que quero sempre visitar. Que clama por mim Ou quem o clama sou eu? Um pedaço de chão Recôndito, recluso, difícil de encontrar. Esse lugar, simples lugar. Um pedaço de terra Um arbusto aqui, outro ali Salpicada como tempero E as flores que você plantou Para você colher. Esse lugar que se confunde Com o conforto cálido do ar E a maciez lívida do toque E o aroma doce do hálito Um lugar que afaga a inquietude Que transforma o solo que míngua Em um caudaloso açude. Há, que pareça sonho, um lugar assim Onde as vozes soam Como o primeiro pranto da aurora E as teias de luz que se desenham Para embalar o renascer. E lá chegando, deitaremos na grama Não sentiremos vergonha Nem da lágrima Nem da mágoa Nem da vontade de sorrir. Largaremos para trás O fardo venenoso da memória E faremos do presente momento Uma nova história. Lá, no lugar embrionário Teremos a plena certeza De que repousamos no olhar A nossa sincera natureza. Há algo assim, de Belo De extraordinário Há, no infinito dos ...

Resignação

Nunca te abriram uma porta Só te trouxeram este tumor Quando pensava que colher flores Era um gesto válido de amor. Mas olha só pro que colheu Olha bem pro que tem em tuas mãos O que tolheu a vida inteira, já morreu E o solo onde pisa não é ramo, é chão Trouxeram-te um drink Está aí em cima Trouxeram-te até A tentativa tola de um verso fazer rima. Sim, te elogiaram os sapatos Ou até mesmo uma certa eloquência Mas é só, nada mais Só tem o chão que pisa com frequência. E agora que nada tem a entregar Senão a menção daquilo que te ilude Aquilo que o desejo leva na lombar Quando a cabeça deita e o descanso alude Agora, dizem, pare com as palavras Abandona toda tua vontade Desta rua segura que te lavra Larga para trás esta cidade. Este largo, que o perdido olhar Ante a tempestade sustenta e esfria Esta ilha que deixa a barca atracar Que traz no pensamento a fantasia. Ainda que orne a casa de ramagem E ainda que nutra na dor algum riso O que tem fora é luz que queima e que arde O que tem em ...

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Sísifo no Divã

Árvores sombra água fresca Frutos suculentos ao pé do monte Pé ante pé força a perna Sobe, sua, ofega Pausa só no cume Após as nuvens Após o sol Após, até mesmo, das estrelas Lá no topo resta ar Respiro fundo a minha conquista Mas que lástima! Árvores, sombra, água fresca Frutos, ressecando ao pé do monte. De volta ao sopé. Pé, ante pé força a perna Galhos ossos, cascalho Até que, a asa do espectro Pesa ferida sobre a janela No batente que mira o monte. Mas que lástima. Árvores, sombra, água fresca Frutos, caídos, pelo chão. Pérolas, rolando, pelo rosto Vidros, quebrados. Mas. Galho, escuro, sede. Pé.

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.

Diante do Espelho de Eva

Deidade minha senhora, sempre em chama,  Tua boca ampla macia leva ao chão.  Rubro ímã, fordil de que reclama,  Se ajoelha, perco-te em oração.  Lábio que já até abate impérios,  Arbusto estandarte de querer,  Contemplo no espelho, mil mistérios  Deseja o outro, roga-te a sofrer.  Oh fidalga autora que devasta,  Tenra rubra,  perde-se e implora,  Beija, agarra, fissura nefasta Hecatombe quente que aflora. Abre, descativa: eu me rendo,  Aparta-me, sou só a pele e o som.  Que venha a seiva, o toque, o alento,  Que não há além altar deste teu dom.

Cortina de Cetim

Rouba-me as forças, Sim, eu desfaleço Quando os dedos correm E retratam a curvatura Das cortinas de cetim. Brancas, negras ou rosadas Cobrem, protegem, aludem Bruma vontade malograda Sob coral desejo e penugem. Portas da genuína vida Abre-as, largas, para mim Explora com cuidado aventuroso Em busca do macio carmesim. Venha até ela teus murmúrios Úmido disfarce ante o portal Que a tua boca aberta em perjúrio É o santo manto ruindo, mortal. Abre o que isto transformei em rito A brisa fresca adentra o limiar A porta treme, responde em grito Sussurro Sibil, e canto lacrimoso À voz de melodia insolvente E ao corpo que se solta, se desprende Como pode, pergunta o riso crível Que algo tão pequeno, tão frugal Desmonta a força inteira de um ser Deixando-me entregue, irracional.

Zéfiro

Sussurra em mim a silente valsa  A voz que repousa na palma da mão  Chegando larga remansada balsa Oferta a fleuma tal uma oração. Sopro de um ocaso que vem me acolher  Fulgor feito em artelho, penteadeira  Não vê-se mistério do que vir a ser Onda que resfolga à palmeira. O ar que a mim, envolve-me puro Pelo nó que a nova brisa desata E o pé, que já solta-se, bem seguro No embalo deste zéfiro prata Aperto que solta, riso adentrar O moroso baile, no compasso mel O ar que pesava, faz gota a gota A chuva que lava, inteira, sou céu.

A Farsa do Setembro Amarelo

É a última vez (e não prometo) que pretendo escrever sobre este assunto. Como sociedade, avançamos a passos largos para o total declínio, ou já estamos nele e não percebemos. É isso mesmo, digo de forma pretensiosa e evocativa de um provável apocalipse social. Já nem temos moral, essa coisa transitória. Eu me pergunto se há espaço para a moralidade em um contexto em que temos tanta gente falando ao mesmo tempo sobre todas as coisas. O que temos, e isso não é novidade, é a guerra moral, em que a própria moral tem sido usada como munição, está sendo gasta e reciclada ao total esvaziamento.  E nesse mesmo contexto moral em que se briga para determinar qual é a conduta vigente, esprememos a necessidade do bem estar diante de uma demanda de produção em larga escala para atender os anseios dessa mesma moralidade que está em decadência. Não há como não esperar um resultado catastrófico. E então, diante deste desfile da desesperança, decidiram trazer um antidoto para emendar, que é a campa...

Partem os convivas, mas Eu Te Amo

Penetrem convivas, os amplos salões Contemplem, com "ahs" e "ohs" Num brio de coros libidinosos O mármore de Afrodite e Baco Os lautos chamados suntuosos. Bebam Comam Fodam! Desçam com as estacas Em visco escorregadio Engasguem, salivem O assoalho em verniz. Num indecente sóbrio manto Em uníssona voz e contraponto  A ápice volúpia, nosso canto. Durmam E depois do riso Da bebida Da partida do gozo Sumam daqui! Saiam todos! Larguem as taças  E a restinga da algazarra! Deixe-as que eu recolho Como sempre o fiz Os cacos de vidro pelo chão. Entre o sangue da dor E do abandono Uma jóia quente e macia. Cai em mim a sua mão. Vai então, minha clara confissão: Eu te amo até o fim dos meus dias Eu te amo até quando puder respirar Esse ar fétido que nos cerca Eu te amo até que fique em carne viva Da vida que me trouxe de volta Eu te amo, coelhinho, oceano. Repousa aqui tua mão e não solta.

Páginas Arrancadas da Distante Primavera

E fomos hoje, felizes para sempre Uma taça com marca de batom  Outra pela metade Miro o mundo em devoção,  Terra alva, perfumada,  Vinco ondulado no lençol  Avermelha o topo o pôr-do-sol.  Um olhar incrédulo a você.  Estreito em maciez avermelhado  Véu de um lenço carmen de cetim Uma terra úmida, trabalhada  Duas jóias ambar para mim.  Mas já são cinco e trinta da manhã!  Dois minutos  Para vestir os sapatos  Cinco  Para fazer o café  Dez Para esperar pelo ônibus.  E a coragem triste de caminhar  Sem você.

Juramento

Se a mim coubesse  Ser o resgate deste cântaro Montado em partes Despedaçadas em descartes Se a mim fosse dada esta missão Veria-me entregue Perante a ti Ajoelhada ao chão Mãos arqueadas ou boca aberta? Sangue escorrendo pelos braços Ou néctar desenhando os lábios? Tanto faz Teu prazer Minha paz. Até que em teu peito encontrasse novamente O contorno do inteiro que perdeu. Se a mim, motivo fosse dado Cataria contigo em cada canto Em cada esquecida esquina Os pedaços que são a tua sina. Roubaria este nada que a noite te visita E o afogaria no que escorre do meu ventre Até que o nada disso restaria Além do vestígio do perfume Que tua visita deixa hospedaria. Se eu pudesse, sentaria em tua cadeira Minhas mãos, teu manto Os meus joelhos, opostos Na maciez rígida que me parte E deixaria ail, chorar Esvaziar dentro de mim Até que o sal que cai do nosso corpo Pernas balançando, meio morto. Até que lágrima que espera insistente Traria-nos um sorriso sóbrio, dormente. Se eu pudesse, daqui de...

Flan de Lã

Longe no quintal de um longo tempo Suspenso, imóvel, e repousado Sinto, peso, o calor da tua mão E eu, suave, afável, ao teu lado. Um lugar de folhas flutuantes E lentas, rodopiam devagar Teus olhos, o meu riso cordial Palavras? Não carece de falar. E estes fios dourados ondulantes Cabelo de menina no ventar Que valsa e aquece o instante Que sempre insiste em congelar. Me esqueço, leve, em teu colo E ouço a vida ir em surdos passos Da brilhante pedra em teu solo Guardada a unir teus estilhaços. Que esqueçam as horas de passar Que este mundo seja permanente Aqui, porém, na vigor ternura Aqui só nós, o amor latente. E dobrem as memórias em candura Acolham, em cobertas, flans de lã Suave teus caminhos, rua dura Teu amor, tua amiga, tua irmã.

Estilhaços

Fui catando os fragmentos pela vida Pedaços do que foi estilhaçado Uma diversão aqui Um sorriso ali Aqui tem uma carícia Lá, cacei um pedaço daquela maciez Aquele calor de quando a mão Me segurou pela primeira vez. Fui catando os pedacinhos, pouco a pouco Ainda não está tudo, não está completo Ainda sinto o bater frágil e vazio De um peito pobre e inquieto. Ainda sigo em rimas sem sentido Em aceitar migalhas ainda sigo Porque não aprendi, desde aquela tarde A seguir sem o que me foi perdido. O som e a dor, a coisa que é física Se esparrama na malha do tempo Se alonga e se despeja pelos dias. Levanto Dobro os cobertores Faço o café Tomo-o, sozinho, em companhia A maciez de uma poltrona sob mim A fria brisa que corta o meu rosto Não é a carícia, é o mesmo convite diário O mesmo maldito sacrifício O que para muita gente é Domingo Para mim é um suplício! Por que ainda? E então, nada, absolutamente nada Esse maldito e infernal nada! Esse nada que se sobrepõe, que se envolve sem convite E se...

Madre Pérola (4)

Você minha guia Minha luz Você que com a curva etérea Da fronte mais divina Me conduz Eu sei que em algum lugar Deste mundo repleto De alegrias tardias Deste mundo que pede sofrimento Em troca de um alívio de momento Eu imagino, com a força do coração Que há uma flor transcendental Uma pedra opaca, rara e lustrosa. Que você enterrou com a própria mão E lava-me o ilusório bem e mal. E quando a carga torna-se mais dura Mais árdua, mais pesada Quando o peito arde em amargura Eu sei, minha guia, que aí estás Mesmo sem estar Mesmo que tua matéria seja agora Parte desta natureza Que tenha caído no rio Ou esteja esquecida sob a mesa Que basta fechar os olhos Lembrar dos sons trazidos de outro tempo Quando a inocência ainda persistia Quando você olhava para mim Com seus olhos de amor e me dizia: Ame, amigo, ame. Ame todo dia.

Mil Vezes no Meu Caderno

Quando falo só O frio responde - Vem, em sussurro suave Que tristeza é ser o frio: O que é carícia Acaba virando porta sem chave. Se eu fosse uma pedra Senhor frio, senhor inverno Receberia o Seu abraço E escreveria Seu nome  Mil vezes  No meu caderno. No frio As horas fazem sua trajetória Vem com botinhas pesadas Amassam a passo minhas histórias.