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Mostrando postagens de julho, 2025

Barca do Breve Retorno

 Vesti meu guarda roupas De roupas já usadas sem pressa Lavei as roupas novas Sob as águas de incerta promessa Cobertas no varal Caiu em mim a luz Nem tudo é vendaval Tudo, ainda que não rime, é passagem Atenda, ainda que doa, ao pedido Só dá, amigo, um pouco de coragem. Segue além as barcas que subimos Param nos portos Encalham no mar Ou afundam no abismo Mas não, Não afogue-se em melífluas tristezas Caem as pétalas de flor Sobram os espinhos Florindo ainda com belezas. Veja, eu tenho a certeza Agora sim, agora o remo pesa Mas não é uma penitência Não é castigo. É só caminho da nossa natureza.

Barca da Renúncia

Arrasto-me sobre os pés Restando o sussurro às paredes Preces mornas de súplica e perdão Levado pela barca da renúncia me deixei. Esta em que eu mesmo adentrei. Além do horizonte,  Disseram das Américas, espera Mas só, aguardo impaciente  O fim deste mar que não se encerra. E o que em mim se enterra, Dia após dia, É o baque surdo de um grito acorrentado: Liberdade, liberdade! Que não sai. Que morre na vontade.

Sacrum Putridaeque

  sacrum putridaeque "Animae exspirant, redire nolentes... Sed redeunt in sudore, dolore et metu, formam suam relinquentes." ✝ Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis ✝ Substância em ardência Como que em condenação Ao inferno da tua ausência. De seu cílio cai o lastro Da aurora poma aberta Afligida ao omisso mastro. Minha boca sente a míngua Pela privação do tato Da oração com tua língua. Numa parte sem ritual E eu aqui que só me encontro Do meu gozo sepulcral O meu tédio, meu remanso Invocatio sacroputrida Sem perdão e sem descanso! Ora em mim sem castidade Faz-me diário do teu ímpeto, Sem decência ou piedade! ================================================== Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis Substantia in ardore Quasi damnationis Ad infernum absentiae tuae. De cilio eius cadit onus Aurorae pomum apertum Afflictum ad mastum neglectum. Os meum sentit inopia Privatione tactus Orationis cum lingua tua. In parte sine ritu Et ego hic solus invenior Gaudii m...

Nosso Livro de Seshat

Você que carrega nas palavras O amor devoto dos desesperados Abre lentamente este livro Das minhas íntimas memórias Enquanto te transbordo meus versos. Cada página,  O sussurro do que guardei Para quando você chegar: Meus  toques secretos Tuas lágrimas secas Meus gestos discretos. Cada capítulo O testemunho do que herdei Desde a gênese tragédia Das flores que atravessam os anos Ante esta infame comédia! Você que lê com a carícia De ativo dedo à cicatriz Rascunha minha página usada, Ardendo o nome que eu sempre quis! Este livro de incerta conclusão Sem capa, marcador ou proteção. Apenas tua escrita viva Marcada inteira no meu solo Apenas nossa história apócrifa Ardendo inteira no meu colo!

Em Ruínas a uma Flor

Minha flor despedaçada Amordaçada, na sombra obliterada Deixada para trás, enquanto o mundo ainda é mundo. Ergo-te agora Com ânsia nas mãos e o peito aberto Cobrindo este altar com o espinho pungente do não dito. Que cai feito orvalho e perfura-nos o peito. Cada cicatriz, marca e memória Cada silêncio imposto E cada ausência de cuidado Que te abriu essa cova Eu venero. Vem cá e se cobre  Protege-se do ar gélido Quer um chá? Uma história de ninar? Aqui, talvez, desague Escorre sem pressa, temos todo o tempo do mundo Nestes próximos cinco minutos. Tudo que aqui vê agora É teu. Este espaço Este momento Este tempo Onde só nós habitamos. Deita, veste teus panos de delicadeza Eu recolho nossos fragmentos Ainda que se confundam Teus, nossos... meus! Aconchega tua bagagem Eu dobro tuas roupas Até as que você ama usar Mas nunca te deixaram Tuas roupas, quaisquer roupas Que te embelezam como o último pôr do Sol. Aqui, neste som distante Onde tudo parece esquecido Só existe nós por enquanto. ...

A Câmara Oculta de Asmodeus

Ruídos no meu porão Desci com minha própria lanterna Para me cegar com a escuridão Escrevo com o meu sangue  E recebo o aplauso pela tinta Cada palma: um prego a mais neste caixão. A musa me usou como hospedeira Não sei se estou pronta a sentir Ou deixar o desespero na moldura Todo verso que escorre de mim É uma mentira implorando por cura. Cada estrofe sai como a morte Daquilo que escondo sob o chão Tento ressurgir qual a consorte De um pecado - sem extrema unção.

O Abismo

Da porta do meu lar No meio da sala de estar Avisto todo dia o abismo Este, que é lugar sombrio Sonoro e repleto de textura. Sei que lá de dentro Cresce vasta vegetação Existem homens ajoelhados Elevando ao céu a mão E mulheres plenas de potência Fingindo ser bravura sua carência. Aqui, em casa, vivo só A vida só se vê ante sua borda Essa existência divina, quase vazia Essa voz que me preenche todo dia Contemplo o abismo por mais que eu queria Até que de repente, o que acontecia: Ele toca a campainha Chega de chapéu e de casaco Coloca os seus pertences no sofá Dá-me um abraço familiar Levanta, ordena, e serve-me um chá!

Oração a Quem Floresce Longe

Senhor, que sonda os pensamentos Do homem na balança E pesa cada lágrima que cai no íntimo fio Recebe está memória como incenso tardio Este amor, que já não arde, mas está sadio. Na janela da vigília passou esta manhã Um feérico jardim que o nome dela segredava Diz gentil, sem pronunciar palavra. Adentre as vinhas de um tempo que passava Havia uma sombra de sorriso emérito Não meu, não mais Mas santo, santo e impérito.  Caiu sobre mim como a chuva do estio Nem para semear, nem para colher Mas para ensinar em som vazio. Amei, Senhor, amei confesso Talvez não soube como amar correto Mas deixo agora aqui o vaso aberto Prosto ante Teus pés clementes Nutrindo a fé da paz que não me coube Venha das mãos de jardineiro presente. E se um dia olhar para trás Que veja em mim a luz E não ferida. E se um dia orar  Para aliviar o seu cansaço Que sinta Teu espirito em resposta À ausência de um abraço E que floresça E que semeie Mesmo que em terra de outrem Que em tudo Te descubra Como eu a d...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Saṃsāra संसर

Salvaguarda de cetim em folhas afanadas Uma, duas, três, esparramando pela estrada Soa o silêncio algures de um astro que se vai O vazio alhures acalenta o que não cai Valsa lentamente na brisa a madrugada No ar flutua, tênue, suave e enamorada Passo a passo o adeus da anciã morada Que chora em verde véu seu luto à folha amada.

JK Rowling, a não-escritora

JK Rowling é uma escritora medíocre. Ela é a gerente de uma franquia fantástica. Então aqui está a minha contribuição. Apresento a vocês: Harry Potter e A Fábrica da Fantasia de Plástico. Não me venham com varinhas, corujas, feijões de todos os sabores, ou figuras mitológicas reduzidas a uma mera vitrine sem função real. A geração millennial foi sequestrada por um delírio coletivo com cheiro de papel couchê e merchandising canalha. No centro deste vórtex está JK Rowling, a potencialmente aspirante a escritora mais covarde dos últimos anos. E aqui está um grande sintoma de uma das gerações mais frustradas e infantilizadas de todos os tempos. Na minha concepção muito pessoal, o artista precisa ter coragem para abraçar suas próprias radicalidades, ainda que eu discorde delas, essa radicalidade existe para incomodar. Se não existe incômodo, não existe arte, ponto final. Não existirá quem me faça pensar diferente. Por essa razão que eu digo que muitos textos dos meus colegas aqui são, no mí...

Guardanapo

Trouxe a mim um lenço guardanapo Quando o mundo caía em tempestade Arrumou a sala Colocou as plantas de volta no lugar Não importava quantas vezes Era sua, essa forma de cuidar. Sob árvore frondosa num abraço Protege o momento derradeiro: Nos deram um último mergulho O mistério azul em teu olhar Arcana despedida acenando Daria mais da fé no meu orar Pudera eu saber sonhando Teria ido eu em teu lugar. Tento, todo dia, te honrar Ainda que não haja solução Para esta alma envenenada Sigo, por você, a dura estrada. Quem sabe no fim eu esteja errado Quem sabe, nessa doce fantasia Numa estação etérea, eu sentado E você chegando e diz: Que bom que veio há quanto tempo que havia. ================================================== São 27 anos em que eu guardo sua memória com o desespero de quem não quer esquecer do próprio nome.

Āstitva - आस्तित्व

O dia hoje não me chamou Não ouvi meu nome No vento que balança a roupa Ela veio, disse olá, olá, olá! E antes que eu falasse, prosseguiu: Já vou, já volto, adeus. Abriu de luz minha janela Deitou-se ao chão esparramando Não, não é nada, nada não. Estou só apenas descansando Descanse pois, luz bela, luz bela. O canto que me chega com carinho Enquanto fumega a camomila Olá, amigo, doce passarinho Vá em frente, em frente, não detenha Livre sempre foi o teu caminho. Dança, dança dente de leão Dança que eu sussurro uma cantiga Para lá, para cá, a dança de salão Te espero com o colo de amiga Boa noite, por hoje Amanhã, ainda estarei aqui.

Afago

Muda Tem hora que a palavra não sai Está tudo bem Deixa lá dentro Se não sai, não tem que sair Surda Com tanta sonoridade Com tanta melodia confusa O coração da terra em que piso E me permite ser em mim Anestesia O que não sinto dentro Não é para sentir Pousa aqui assim O delicado afago do ar Nem todo dia é dia de lembrar Mesmo com a palavra que não sai Sai o silêncio do gesto de amar.

Morango Dália Alcaçuz

Tem a mim porque paixão  Ou a ti porque plateia? Labirinto em expansão  Sangra altiva e me ateia  Somos alma dupla escura  Entre em minha sacra fenda Cobre em manto a sepultura  Rude altar em oferenda Solta tinta enquanto pulsa Não escrevo por espetáculo  Manuscreve-me Alcaçuz  Goza ao Delfos, meu Oráculo  Purga, inferna-me e pune Lava eterna-me imune Quente arde em chama vil Em teu  cárcere sombrio.

Perméssides

Escapa-me das mãos, como areia, a possibilidade de uma ideia pra chamar de minha. Já desisti do lar que me abandonou e que se foi sem esperar por mim. Nunca sequer visitei um salão de palácio. Adotei palavras aos picados, transformei-me em uma colcha de retalhos incômoda e suja. Não teve um costureiro habilidoso. Não sei se guardo na cômoda ou largo no parapeito da janela, à vista de tudos. Não sei se a atendo, ou se deixo como está. Não sei se deliro com o furo da agulha, ou se minhas palavras tem alcance além da minha própria imaginação. Sempre do lado de fora do baile, depois sobra-me o chão para limpar. É um salão vasto, com muitas vozes impregnadas em seu mármore, repleto de graças e virtudes. Cato uma coisa aqui, outra ali, guardo um petisco no bolso. O banquete já foi. Está tudo bem, enchi o estômago, a fome se foi, mas não saciou. Era pra mim? Quando será para mim? Eu tenho permissão ou convite para estar aqui? Queria estar, não mal estar de ser visto sem ter o que dizer. O que...

Corpo Fechado

Hoje decidi não estar pro mundo Levantei o dia largando as meias pelo chão Não dei bom dia ao vizinho. E também nem aos gatos. Não falei com o passarinho. Não molhei as plantas e nem lavei os pratos. Fiz questão, como quem faz quando tem sede, De dar companhia ao meu abandono. Quis meu corpo deitar-se no chão, Deixei. Não pra servir de passagem, Mas pra ouvir o meu refrão. Os pensamentos, que vagaram Por tantos corredores sombrios. Larguei-os todos nos labirintos Destes relicários mais frios. Deixei, por hoje, de ser bagagem De dar carga a uma alma doente. Permiti, somente, ser a coragem De um corpo pleno recipiente. Hoje, quando a manhã é gélida Eu quem vestiu minhas roupas Não foram elas quem me vestiram Desta pele rude, seca e pálida. Hoje, enquanto o mundo inteiro Segue indo no itinerário Decidi honestamente, por inteiro Ser-me um apenas solitário.

Geopolítica

Quando descemos, os animais Do nosso insalubre lar Fizemos tambor para clamar aos deuses. Até então só havia ar, Só havia água, Alimento, E defecação. Saímos da umidade Da caverna dos pensamentos Fincamos os pés no chão. Intratável e espinhoso. Fizemos um violino E Eles, que se refugiam de nós Usaram da nossa pedra Para erigir sua história inacabada, Passaram a tocar tambor. O preço do tambor subiu. Tão ou mais elevado Que o valor do barril de petróleo.

Canção para uma Flor

"Deus, a quem sirvo de todo o coração pregando o evangelho de seu Filho, é minha testemunha de como sempre me lembro de vocês em minhas orações; e peço que agora, finalmente, pela vontade de Deus, me seja aberto o caminho para que eu possa visitá-los." Romanos 1:9-10 Foste lírio em meu deserto, sombra fresca em pleno estio, um cantares entre os salmos, meu refúgio, meu abrigo. Em teus olhos vi o Jordão, e sonhei que Deus sorria, pois tua voz era um orvalho No brotar do augusto dia. Sem saber que era sagrado Tomamos juntos o pão, E quando saciou tua fome Fiquei em solo gratidão.  A cruz que carrego agora não é dor, nem penitência — é a lembrança do teu riso, meu milagre, minha potência. E se um dia, flor bendita, nos cruzarmos pela estrada, Saberás, nunca deixei de te guardar... minha amada.

A Balança das Moedas de Ouro ou o Teatro de Ruínas

"La giustizia è cieca e stupida. Con le mani arcuate verso l’alto, aspetta che il peso dell’oro inclini la bilancia." A justiça é cega e estúpida. Com as mãos arqueadas para cima, ela espera que o peso do ouro incline a balança. ======================================================================= Não me venham falar de justiça. Isso é uma farsa encenada por homens acuados pela beleza do caos da natureza. Patética, tola tentativa, de impor simetria ao universo com suas réguas de madeira e pastas de cartório. Pintam a balança, cobrem os olhos da estátua com seda ou cetim, e chamam de deusa. E o bronze que reflete os que a contemplam, com suas togas e seus malhetes cravados em jóias, mostram o reflexo tortuoso da selvageria da realidade. Ela é cega, dizem, a nobreza de enxergar um horizonte achatado. Mas já existe a medicina e a ciência avançada para curar a cegueira dependendo da fortuna investida. Cega, não por pureza, só conveniência mesmo. Mais do que cega, é estúpida e a...